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terça-feira, 30 de dezembro de 2008

55- Irriga-Dor...

Vou colocar mais umas imagens do material da irrigação, para que vocês entendam melhor. Depois vejam novamente a imagem do post anterior...






A manga que comprei encaixava certinho com a bolsa que usava, da mesma marca. Estava com a de duas peças e ela encaixava na placa. Isso facilitou bastante porque não precisei preocupar em deixar a manga sempre no lugar para não machucar o estoma.

Coloquei 1.500 ml de água no irrigador e pus o bico no estoma, por dentro da manga. Estava morrendo de medo de machucar o estoma e não sabia o quanto de pressão deveria colocar. Tudo era teste. Vazou muita água para a manga, mas até aí tudo bem. Em alguns momentos senti cólica, como se a água estivesse com dificuldades de entrar ou passar pelo intestino, mas sabia que aquilo seria normal. O problema foi quando a água acabou de descer e tirei o bico. A água, misturada a fezes que saia do meu estoma, jorrou para cima, ao invés de sair para frente. Como a manga é aberta em cima, imaginem como o banheiro ficou...

Quando vi aquela lambança, comecei a chorar, e foi aquele choro de desespero. E não podia limpar porque ainda estava no processo da irrigação. Me senti incapaz, novamente, de ter uma vida beirando a normalidade. Como fazer aquilo todo dia? Mas vejam, em nenhum momento pensei que aquilo aconteceu e aconteceria somente pela falta de prática. Que daqui a algumas tentativas já estaria dominando a técnica. Só pensava em quão desgastante era aquilo tudo.

Fechei a manga por cima e esperei o esvaziamento total do intestino. Eu mal agüentava o cheiro. Estava em pé no banheiro da minha casa, que estava todo sujo de fezes. Chão, azulejo, vaso sanitário, bidê, pia... tudo imundo e fedendo! Quando achei que poderia parar, lavei a manga internamente com a ducha higiênica e fechei por baixo. E fui lavar o banheiro. Pedi meu Bebê para pegar balde, rodo e pano de chão para mim. Lavei tudo chorando, aquelas lágrimas quentes escorrendo no meu corpo nu, molhado e sujo. Foi uma experiência até humilhante. Percebi que realmente essa doença estava trabalhando meu orgulho, e muito.

Refiz a irrigação e a bagunça ainda umas 4 vezes nesse período. E sempre o mesmo sentimento me acometia... tristeza, desânimo, humilhação... mas depois disso, apesar de algumas vezes ainda perder o controle, admito que peguei o jeito. Comecei a dominar a situação. E aqui explico que os jatos que saem do meu estoma se direcionam para cima porque a parte superior do meu estoma é invaginado, como já disse anteriormente. É como se você, ao invés de soprar o ar normalmente, encolhesse o lábio superior e o vento saísse para cima. E esse é um momento que deverei ter sempre cuidado ao fazer a irrigação, porque sempre sairá para cima. Vejam na foto:


E para completar, estava numa fase muito delicada da minha relação com meu namorado. Sempre fui uma companheira atenciosa porque sempre acreditei que uma relação precisa de pequenas surpresas e atenções para que não caia numa rotina. E o dia do meu aniversário foi horrível. Nunca gostei de comemorações, nem de receber parabéns. Não é uma data que eu me sinta bem para comemorar, desde que tive uma dolorosa experiência há 17 anos atrás. E com várias coisas acumulando na nossa relação, acabei explodindo. Uma série de coisas me incomodava nele, como eu também acho que várias coisas em mim devem incomodá-lo também. Mas queria que ele soubesse e tentava mostrar isso a ele. Por exemplo... quando vivemos sozinhos, sem apoio de ninguém, aprendemos a conviver com essa situação. Ele, quando não está bem, gosta de se recolher. Mas quando eu não estou bem, gosto de ser ajudada. Mas ele sempre sumia quando eu dizia como estava. Era como se eu não servisse para ele nos momentos de necessidade, tanto nos dele quanto nos meus. Isso prá mim não é namoro. Me sentia como antes da gente namorar... naquela época pelo menos eu tinha consciência que era só e não esperava nada de ninguém. Mas agora, estando com ele, estava sendo pior. Ficava muito perdida porque essa atitude estava sendo imposta para mim. Independente do que eu achava, queria ou precisava ele continuava a agir dessa forma. E isso realmente estava me incomodando e desgastando. Por várias vezes tentei conversar sobre isso, mas era sempre em vão. A forma dele agir acabava prevalecendo pois ele não aceitava nem tentar da minha maneira.

E o mês de abril/07 terminou assim, com a experiência da irrigação que, se desse certo, muito me ajudaria no dia-a-dia quando começasse meu próximo semestre letivo na faculdade, pois só iria fazer estágio. E aqui relato a vocês que o meu semestre de faculdade, com assistência acadêmica domiciliar, ainda nem tinha começado. Os professores apenas começaram a me mandar trabalhos, mas tinha certeza que, em cima da hora, lá para final de maio, teria uma série de trabalhos acumulados para fazer.

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terça-feira, 23 de dezembro de 2008

54- Abril/2007

E com todos os fatos narrados até agora, chegamos em abril/07! Mês em que completo 38 anos, mês em que encontro meu namorado novamente, mês em que fatos importantes acontecem. Vamos a eles...

Em relação ao estoma, segundo minha médica, ele estava lindo! Conforme palavras dela, depois de tudo que aconteceu e como ele era antes da cirurgia, ele estava QUASE perfeito. Quase porque a parte superior ficou um pouco invaginada (prá dentro), mas ela não via isso como problema. Eu ainda ficava desconfiada, achava muito cedo para acreditar que as coisas podiam ser vistas como definitivas. Sabe aquele papo do gato escaldado? Pois é...

No dia 13, meu namorado chegou. Essa vinda seria marcada também porque meu pai iria conhecê-lo. Passamos dias muito bons, pudemos conversar um pouco. Ganhei de presente um CD/DVD novo do Oswaldo Montenegro, 2 DVD’s do Dr. Luiz Moura, pioneiro da Auto-hemoterapia no Brasil e outras coisinhas que demonstraram que ele teve trabalho comigo, querendo me agradar. Achei isso fofo... Quanto a conhecer meu pai, foi somente no domingo à noite. E por incrível que pareça, eles conversaram, e meu pai não conversou nada comigo a respeito dele de forma negativa, como sempre acontecia quando eu começava um namoro. As coisas caminhavam bem... Inclusive porque a mãe dele agora também já sabia a meu respeito.

Logo após a partida dele de volta a São Paulo, comecei a freqüentar uma academia. Precisava me exercitar porque havia ganho bastante peso extra com o repouso prolongado e o uso do corticóide por tanto tempo. Mas estava com medo. Comecei com alongamentos, bicicleta e esteira somente. Mas isso estava me fazendo muito bem, apesar de ter muita preguiça de me deslocar até lá.

Mas 2 fatos também importantes estavam para acontecer...

O primeiro deles é que meu Bebê ia viajar... seria sua primeira viagem sozinha e, ao mesmo tempo, mais longa. Quase 12 horas de viagem. Isso seria muito bom, uma experiência nova para ela, que eu queria que fosse inesquecível. Queria conversar a respeito com ela e poder demonstrar minha preocupação e minha alegria, mas não pude fazer nada disso. Estávamos brigadas e foi uma briga feia que tivemos. Ela está crescendo e os conflitos também. E chega um momento em que fica difícil prá mim bater de frente com ela, pois ela sabe ser dura quando quer e eu estava entrando numa fase difícil. Estava com a sensibilidade aflorada e tudo aumentava bastante de tamanho em qualquer ângulo. E eu machucava e saía bastante machucada também. Enquanto ela entrava no ônibus meu coração se apertou e só depois que ela partiu é que consegui chorar. E essa fase se estendia a tudo e todos, principalmente ao meu namorado. Mas meu Bebê estava crescendo e criando asas. Sempre soube que existiria esse momento e é por isso que me preparei, por tanto tempo, para planejar meu futuro sozinha e longe, para que minha presença não atrapalhasse sua vida. Mas isso é um outro papo...

O segundo fato marcante é que, no finzinho do mês (abril/07), junto com a viagem dela, comecei a fazer a irrigação. E sozinha! Foi um verdadeiro desastre... Fiquei um tempo na dúvida se detalhava aqui como foi, mas cheguei à conclusão que se eu não conto, este blog perde seu objetivo. Então vamos ao desastre...


Preparei todo o material necessário: o irrigador, a manga, e minha vontade!

No próximo post entro em mais detalhes...

Bjim

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A quem acompanha o blog semanalmente e àqueles que estão chegando, desejo um Natal repleto de boas vibrações!!!


terça-feira, 16 de dezembro de 2008

53- Pós-Cirúrgico... (de novo...)

Continuando o post anterior... Cheguei no quarto sonolenta e com a pressão um pouco baixa. Os medicamentos eram: um para dormir, um protetor gástrico, um antibiótico, um para dor e outro para dor mais aguda, fora os que já tomava rotineiramente. E a melhor notícia foi que, no dia seguinte, por volta das 12h, levantei e fui ao banheiro. Quando voltei do banheiro, minha médica chegou. Disse que deu tudo certo e que retirou bastante alças do jejuno que tinham migrado para a cavidade onde havia a parte do cólon retirada na primeira cirurgia. Fez um curativo e pude ver o estoma como ele sempre devia ter sido.

Minha filha chegou depois da aula para ficar comigo e às 16h parei com o soro. Isso era algo muito bom... tão bom que no dia seguinte, pela manhã... tive alta!!! Nada de CTI... era bom demais!!!!

Foi realmente inesperado. Operei na quarta à tarde e na sexta pela manhã sai do hospital. Tanto foi inesperado que o meu namorado ficou doidinho. Achava que ia ficar comigo no hospital e agora tudo havia mudado. Disse a ele para vir assim mesmo, pois já havia conversado com meus pais sobre ele. Isso mesmo... contei a eles! Foi no hospital durante a internação. Precisava contar para justificar a vinda dele a BH e porque ele passaria comigo a noite no hospital. Mas aqui deixo a vocês uma impressão que tive sobre isso. Foi a primeira vez que meus pais, principalmente meu pai, aceitou o que ouviu com tranqüilidade (sobre namoro meu), pelo menos aparentemente. Tá certo que não tive muitas oportunidades de contar que tinha um namorado pois namorei pouco, mas sempre haviam ressalvas por parte deles. Dessa vez até as perguntas foram poucas, quase mínimas. Achei estranho mas também achei bom. Menos uma preocupação.

E ele chegou no domingo. Veio a pé da rodoviária até aqui em casa e chegou cedo, por volta das 7h. Tomamos café com minha mãe e vi que ele é bom de prosa, porque acompanhou minha mãe direitinho nos papos e papeou bastante também. Ele ficou 2 dias somente, mas foram 2 dias muito bons, qualquer instante na sua presença era ótimo. Até me ajudou com o curativo na hora de trocar a bolsa. Foi carinhoso e gentil. Daria um ótimo enfermeiro. E conversamos seriamente antes dele partir. Quase até que se atrasa, mas foi uma conversa necessária, pois raramente podíamos dizer coisas olhando nos olhos um do outro. Nem a câmera do computador permitia isso.

Na quarta-feira de cinzas, uma semana após a cirurgia, troquei novamente a bolsa. E adivinhem? O que estava lá, pertinho do estoma, mas do lado oposto? Uma nova ferida! Mal pude acreditar quando vi.


Sei que a foto não está bonita, pois ainda estava com pontos e a as partes necrosadas ainda não haviam sumido, mas é só para que tenham uma idéia de como a ferida estava evoluindo, onde a seta amarela indica.

Algumas pessoas dirão que é azar, outras dirão que é carma... só sei que, na hora que os problemas aparecem de forma inesperada, mal dá para raciocinar. Mas como estou aqui para contar a minha experiência, então só posso falar o que penso e o que sinto em relação aos fatos... mesmo que vocês discordem. Cada um tem uma crença e todos temos pontos de vista diferentes. O que acho bonito no mundo (e que raramente consigo fazer) é quando as pessoas se respeitam e não tentam impor seu ponto de vista. Isso prá mim é exemplo máximo de respeito e renúncia. Enfim...

Fiquei triste, chateada e muito desanimada. A cirurgia deu certo, tudo correu melhor que o esperado e aparece outra ferida! Era muita tortura e não me senti capaz de superar tudo isso, pela segunda vez. Sei que temos problemas dentro da nossa capacidade de resolvê-los e acredito que Deus não dá o "frio maior que o cobertor", mas me sentia incapaz e impotente perante efeitos cuja causa eu desconhecia. Por mais que minha cabeça e meu coração estivessem bem, pensando positivo, coisas negativas apareciam. Isso tudo estava sendo demais para mim naquela hora.

Voltei imediatamente com a Auto-hemoterapia, mas quem aplicava agora em mim era a irmã de minha “maninha”, uma amiga dos tempos adolescentes. Maninha sempre foi uma irmã prá mim. Ia até a casa da mãe dela, que ficava perto do centro espírita onde meus pais iam todas as quintas, por isso aproveitava a carona. E lá conheci uma amiga da família, principalmente da maninha, que é terapeuta. E em março começamos a fazer terapia... mas isso só foi possível porque ela me propôs uma catira. Catira é troca. Eu faria terapia com ela e pagaria com meu serviço. Ela queria montar um site e eu poderia fazer isso. E essa experiência começou a me fazer muito bem.

Enquanto isso, meu pai se prontificou a fazer em mim uma energização específica no lugar da ferida, que ele denomina de “Oito Tibetano”. E eu tentava manter meu pensamento positivo e fazendo os curativos conforme aprendi com a primeira ferida.

E aqui vou juntar o mês de março/07 que passou sem muitas alterações no quadro acima exposto. No dia 1º de março tirei os pontos. Vejam como a ferida está limpa:


Mas o que mais me incomodou nesse período foram discussões cansativas que eu e o meu namorado estávamos tendo com freqüência. Isso não fazia bem nem a ele nem a mim. E começamos a entender que éramos pessoas parecidas e diferentes ao mesmo tempo. A doença nos uniu, nossa garra também. Mas ambos temos personalidades fortes e estávamos sempre entrando em conflito agora. Isso era um desgaste enorme e eu comecei a me sentir desrespeitada em meu momento difícil. Precisava passar por tudo aquilo que estava acontecendo fisicamente comigo de forma tranqüila, mas a gente mais discutia do que namorava. As palavras carinhosas, o afeto... isso começou a diminuir. E como machucava...

No final do mês, no dia 30, eu completaria 1 ano da cirurgia da obstrução, onde fiz a colostomia. 1 ano! E no dia 31 seria aniversário do meu namorado. E eu não tinha dinheiro para dar a ele um presente de aniversário, o primeiro que passávamos juntos como namorados. Mandei uma “bobagem” prá ele pelo correio, que por sinal, fez o favor de atrasar a entrega e ele não recebeu no dia. E tínhamos combinado que sua próxima vinda a BH seria entre o aniversário dele e o meu, ou seja, ele viria em abril/07.

Tudo que fizemos em relação à ferida, deu certo, incluindo as orações. A ferida fechou!


Para encerrar o mês de março, só acrescentar que, apesar da ferida ter me deixado bastante chateada e as discussões com o namorado também estarem desgastando bastante, o Crohn não se manifestou e o estoma novo, após essa segunda cirurgia, estava dando certo. Nada de fibrose, estenose, ou outros “oses”. A minha médica estava bem satisfeita com isso!

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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

52- A Segunda cirurgia do Estoma


Nesse intervalo até a cirurgia, aproveitei e fui até a PUC para entrar com o pedido de Assistência Acadêmica Domiciliar. Minha vida de estudante ficou da seguinte forma: faria em casa as 3 últimas matérias teóricas que me faltavam e no semestre seguinte tentaria fazer o estágio do 7º período pela manhã e o do 9º à tarde. Se conseguisse, formaria no final do ano (2007).

Fiz o risco cirúrgico com o mesmo médico que cuidou da minha trombose. Ele me atendeu antes do primeiro horário de marcação, visto que era caso de urgência. Por isso amo essa pessoa linda. A maioria dos profissionais não teriam esse compromisso, e olha que já rodei vários consultórios...

Voltei na minha médica com o risco cirúrgico, ela viu a ferida e marcamos a cirurgia, horário, etc. Era dia 08 e marcamos para o dia 14/02/07. O coagulograma estava bom, o risco cirúrgico também, só a anemia que continuava, mas ela disse que dava prá encarar. O relatório do Cardiologista:


“A paciente é portadora de Doença Inflamatória Intestinal, com passado de T.V.P. após cirurgia pélvica, quadro já resolvido. Atualmente já sem anticoagulação oral, apresenta boa capacidade física aeróbica, sem limitação cardiovascular para atividades estimadas em torno de 5 metros.

Não apresenta impedimento médico para a cirurgia abdominal proposta, sendo recomendada profilaxia para T.V.P./T.E.P. estimadas de alta probabilidade (Enoxaparina 40mg MID no pós operatório durante duas semanas, além de mobilização precoce).”


Ela me explicou que essa cirurgia, apesar de programada, seria “sem plano de vôo”, ou seja, ela sabia o que fazer mas dependeria do que ela encontrasse ao abrir. A princípio a anestesia não seria com entubação. Somente se precisasse, na hora é que ela saberia. Tem como não preocupar depois de saber que o destino da cirurgia era incerto? Tentei manter a calma, o meu namorado ajudou bastante com suas palavras e teve muita paciência comigo. E disse que viria me ver no carnaval, como estava combinado, só não ficaria os 4 dias. Disse a ele que viesse no sábado de carnaval e ficasse comigo no hospital. Meu pai estaria viajando e com minha mãe eu conversaria. Combinamos de definir o dia da sua vinda após a cirurgia, pois não sabíamos como estaria meu estado. No dia 10 tirei nova foto da ferida, que já estava bem melhor:


Algo muito esdrúxulo (adoro essa palavra) aconteceu no domingo, dia 11, antes da cirurgia. Fui para a evangelização normalmente e quando chego em casa, sinto um cheiro forte: minha mãe mandou envernizar os móveis do apartamento... Todos! Nas vésperas da cirurgia... Comecei a espirrar e fiquei com muita raiva disso. Quase mandei ela envernizar meu próprio caixão (me inspirei em palavras alheias...).

No dia 13, na véspera, fiz a Auto-Hemoterapia com 20ml. Queria uma dose maior como proteção contra infecções, principalmente a hospitalar. Fui também até o hospital conversar com a anestesista, já que eu não estava internada. Conversamos bastante e ela me deixou muito tranqüila. Aqui conto um segredo para vocês: meu maior medo na cirurgia é a anestesia. Mas fui para casa mais aliviada...

E chegou o dia... fui para o hospital... minha filha iria para lá depois da sessão de fonoaudiologia, que terminava às 14h. Como a cirurgia estava marcada para as 11h, era capaz dela chegar no hospital e eu ainda estar no bloco. E realmente, pois só me buscaram no quarto às 12:45h. Já estava louca de vontade de tomar a anestesia logo, pois a fome era terrível! E pelo que meu pai anotou, às 14:15h informaram que a cirurgia ainda não havia começado. Na segunda tentativa de informação, disseram que a cirurgia corria bem e que havia começado às 15h. Por volta das 18h minha médica esteve no quarto com meus pais e disse que correu tudo bem: acabou a ferida, corrigiu o estoma e acertou a hérnia. Não houve necessidade de entubação e assim que a recuperação da anestesia estivesse certa que eu subiria para o quarto, mas só cheguei lá às 20h. Agora, o que me lembro é de ter entrado no bloco, esperado um bom tempo antes de ir para a sala e ver toda a movimentação do pessoal. Quando entrei, deitei e fiquei esperando. A enfermeira estagiária era minha colega de sala na PUC e lembro de que disse a ela que ia ficar envergonhada dela me ver nua. A anestesista chegou e se preparou, só que não conseguia puncionar veia em mim. Fez 6 tentativas. Chamou o anestesista da sala ao lado, que conseguiu, com a graça de Deus. A minha médica chegou, desejei boa sorte a ela e não me lembro de mais nada.

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terça-feira, 2 de dezembro de 2008

51- Consequências...

E fevereiro/2007 aconteceu e não pude ir no primeiro dia de aula. Passei uma noite horrível, a ferida começou a exudar e vazou na cama, tive uma dor de cabeça fortíssima e não tive ânimo para levantar, limpar tudo às pressas para poder sair às 6h da manhã. E minha falta de ânimo foi ver que a ferida estava “vazando”. Isso significava que ela estava infectada novamente. Justo agora que estava entrando em processo de cicatrização. Justo agora que minhas aulas começariam.

E o dia seguinte não foi melhor, e nem o seguinte.

No terceiro dia tive febre e resolvi ir até o Pronto Atendimento e mostrar ao cirurgião. Tinha certeza que algo estava errado pois em volta da ferida minha pele estava vermelha. Eu estava com os sintomas de uma inflamação: cor (vermelha), dor, edema (inchaço), calor. E a minha médica já me havia dito que quanto à ferida não adiantava ir até seu consultório pois lá não havia o que fazer.

Cheguei no PA de sempre e pedi para ser consultada pelo cirurgião plantonista e que precisava esperar deitada. Minha filha foi comigo e lá dentro ficamos esperando. Foi bom o tempo de espera porque pudemos conversar bastante. Quando o cirurgião chegou, disse a ele tudo o que tinha, desde a doença, passando pela cirurgia e a teimosia da ferida. E que a minha médica estava em cirurgia lá mesmo naquele momento, caso ele quisesse ela junto para a retirada da placa da bolsa. É que se ele tirasse a bolsa, teria que colocar outra e assim ela não veria, salvo se o hospital me bancasse 2 bolsas, o que achei que seria inviável.

Ele disse que iria até ela. Voltou, uma meia hora depois, dizendo que foi até o bloco, entrou na sala de cirurgia e conversou com ela, que disse que queria ver e que era para eu aguardá-la por volta de 1 hora. Na verdade ela demorou 2 horas, mas o que importava era uma solução para o caso. Quando levantei o lençol para retirar a placa da bolsa, ela disse que já dava para ver a inflamação, sem ver a ferida, pelo tanto que estava vermelho, inchado e quente ao redor. Retirei a placa e ela disse que não entendia como a ferida pôde piorar tanto em tão pouco tempo. Se vocês prestarem atenção, a última foto (postagem 49) é do dia 28/01/07 e o dia que relato era 05/02/07. Pena não ter levado a câmera ao hospital comigo, mas registrei a foto do dia 07. Vejam:

07/02/2007

A explicação que ela me deu foi de que evoluiu para uma inflamação grande (celulite) e que a suspeita era que haviam bactérias alojadas entre a hérnia e o estoma e elas se “alimentavam” da ferida. Como eu tive dias ruins pouco tempo antes, ou seja, fiquei emocionalmente abalada por motivos já relatados no mês passado, de alguma forma isso ajudou a desencadear todo esse processo. Solução: entrar com antibiótico imediatamente. De repente ela parou, olhou para a ferida, olhou para mim e disse:

- Alessandra, essa ferida não vai fechar tão cedo. Você não ficará estável emocionalmente por muito tempo porque é humana e tem seus problemas. Já é a terceira piora que você tem com essa ferida. Vamos aproveitar e fazer a cirurgia que estamos adiando por causa dela e assim resolvemos também o problema da hérnia?

- Como assim???

- Faço a incisão da cirurgia na ferida, corrijo a hérnia, o estoma, limpo o local da ferida até ela sumir, fecho e pronto. O que acha?

Na mesma hora concordei. Seria a solução para esse problema da ferida que vinha se arrastando há muito tempo. Topei na hora. Comecei o antibiótico e marcamos a cirurgia para daí a 10 dias, numa quarta-feira antes do carnaval. A única coisa chata é que tinha marcado novo encontro com meu namorado para o carnaval, onde ficaríamos 4 dias juntos. Mas precisava cuidar disso primeiro.

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domingo, 23 de novembro de 2008

50- Emocional recomeçando a agir...

No meio do mês (janeiro/2007), logo após meu encontro com meu namorado (ele é de São paulo), fui até minha médica e estava tudo bem. Ela dizia somente aguardar o fechamento da ferida para fazer a cirurgia de correção da hérnia e do estoma. Se vocês observarem minhas fotos e as de outros estomas, verão que o meu é esbranquiçado e isso não é normal, ele deveria ser vermelho-vivo, como uma mucosa sempre é normalmente. Isso significava que ele estava fora do padrão de normalidade e estava também se “fechando”, estenosando, fibrosando.

Desde então eu precisava, diariamente, enfiar o dedo mindinho por ele para evitar que se fechasse por completo. Minha médica explicou que isso é em função da doença mesmo. Quando da realização da cirurgia, a doença de Crohn estava em atividade e a mucosa dos cólons bastante inflamadas. Ela retirou as partes necrosadas, até onde ela achou que a doença permitiria, mas como estavam inflamadas, ela mal podia precisar em que pedaço do intestino que já valeria a pena preservar e seguiu seu instinto e sua experiência. Infelizmente ela ainda deixou um pedaço bastante doente, como podem ver pela parte branca do estoma. A correção então seria da hérnia e do estoma: ela cortaria mais um pedaço até onde a mucosa se encontrasse em boas condições de se transformar em estoma. Nesse instante, perguntei a ela se corria o risco de ter que se cortar muito, até o cólon transverso. Ela me respondeu:

- Mas Alessandra, o estoma está no cólon transverso!

- Hã???

- Na cirurgia eu retirei um pouco do reto, o sigmóide e todo o descendente. E também um pequeno pedaço do transverso. Estava tudo necrosado.

- Mas... mas... eu havia entendido que retirou somente o reto e o sigmóide!

- Não... o descendente também, ele todo e um pouco do transverso, a ponta.

Eu quase cai dura ali mesmo... Esse tempo todo, quase um ano, e eu achando que ainda tinha o descendente... Céus! Aquela informação foi um choque para mim. Sai de lá completamente atordoada! Explico... eu havia imaginado meu intestino somente sem o reto e o sigmóide e achava que, futuramente, a medicina evoluísse e haveria uma possibilidade de “inventarem” um material que o organismo reconhecesse como essas partes que perdi e que poderia voltar a fazer o papel do reto e do sigmóide, acontecendo assim a reversão da colostomia. Mas sem o cólon descendente isso ficava como um sonho mais distante ainda. Fiquei meio baqueada com essa revelação...


Ela então analisou as chapas do exame do Trânsito Intestinal e disse que a hérnia estava explicada. Havia um acúmulo de alças do intestino delgado na cavidade onde o intestino necrosado foi retirado. Uma cirurgia resolveria isso fácil, mas precisávamos esperar a ferida fechar. E pediu novos exames de sangue que só fiz no final do mês. Nesse exames minhas hemoglobinas estavam baixas (10,9 g/dL) e comecei a aumentar o consumo de ferro para não precisar entrar com aquele medicamento novamente.

Mudando de assunto, algumas coisas precisavam ser conversadas entre eu e meu namorado após nosso encontro. Nos dias posteriores ao nosso encontro comecei esse papo e nos desentendemos. Foi ruim, foi também nossa primeira discussão mais séria, mas quando ele disse que estava com caxumba, deixei tudo de lado para cuidar dele. Nada do que estávamos discutindo parecia relevante naquele momento. E quando ele estava melhor, com uma recuperação boa, é que consegui relaxar. Foi aí que fiquei mal... Mas não fiquei só fraca. Fiquei fraca, com pequenas cólicas e desanimada. Isso foi bem no final do mês (janeiro/2007). E sabem o que aconteceu? Não tive ele cuidando de mim. Nesse ponto, o leitor pode achar que eu estava querendo retorno em cima do que tinha feito por ele. Ele próprio pensava isso de mim, já me havia dito com todas as letras. Mas não... apenas achei que agora poderia dizer a alguém que estava mal, precisando de um colo, um aconchego. Mas não fui bem entendida nessa primeira grande experiência que tivemos. E dizem que a primeira impressão é a que fica, certo?


Precisava me recuperar pois as aulas começariam já no primeiro dia de fevereiro. Queria estar bem para o recomeço, mas o “futuro a Deus pertence”, conhecem essa frase? É certeira... não somos donos do nosso amanhã... não mesmo...

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domingo, 16 de novembro de 2008

49- Janeiro/2007


Vocês devem estar pensando: “Nossa, como ela parece uma adolescente, que nunca namorou!” Pois era assim mesmo que eu estava me sentindo... uma adolescente de 37 anos... Não era o fato de estar namorando simplesmente, mas porque havia me decidido por não mais me envolver com ninguém. E voltar atrás em uma decisão, pelo menos para mim, não é algo fácil. Posso demorar para decidir algo, mas quando decido sou firme e até meu orgulho entra em ação. Voltar atrás significaria que errei. Por isso esse momento da minha vida estava sendo importante, e por isso meu namoro significava tanto pra mim. Meu namorado sabia que eu havia decidido por ficar só, mas que era tão importante assim para mim conviver com ele, acho que ele não tinha essa noção. Eu falava sobre isso, mas não sei o quão grande ele se imaginou na minha vida. Poxa... Depois de tanto tempo, tantos anos, tanto sofrimento solitário, poderia contar com alguém que iria me entender, aceitar minha condição física atual e me respeitar. Sua presença se fazia tão importante e necessária que, quando não estávamos nos falando eu sentia um vazio enorme dentro de mim... e um outro medo começou a aparecer: o da dependência! O mês começou e vou relatar tudo que for de importante...

Alguns momentos relatados aqui no blog foram muito difíceis para mim. Equivalem a reviver tudo que me aconteceu. Acontece de parar no meio do relato, salvar a postagem, desligar o computador. Aí fico remoendo e digerindo tudo aquilo que preciso escrever, mas a barreira é grande. Estou fazendo um trabalho grande comigo mesma para que essa volta ao passado não piore meu quadro de saúde atualmente. Às vezes volto em algum ponto já escrito e incluo alguns detalhes, ou então tiro outros que podem magoar algumas pessoas, provocar polêmicas em outras e também frustração e indignação em outras tantas. Mas tudo narrado aqui é real e aconteceu mesmo, mas que não são fatos isolados e nem isso tudo é um romance ou uma ficção. Foram momentos que realmente aconteceram e que deixaram marcas. Umas até bastante profundas e que ainda não cicatrizaram. Talvez porque eu ainda não tenha me perdoado por deixar as coisas acontecerem da forma que aconteceram. E estou falando de anos atrás, coisas até mesmo antes do Crohn. Mas acredito que, mesmo ficando abalada em trazer à tona coisas importantes da minha experiência de vida (cheguei a entrar em processo de diarréia por várias vezes), esse relato poderá ser útil a outras pessoas. Só espero não afastar pessoas que amo por dizer aqui algumas verdades até então encobertas. Como o objetivo desse blog é relatar os fatos importantes que me aconteceram e relacioná-los com a doença, venho dizer que tenho CERTEZA absoluta, como paciente de Crohn, que o fator emocional interfere demais na doença. Mas vamos aos acontecimentos...

Ainda assustada com a cólica de final de ano (2006/2007), fui até a clínica da minha médica e pedi à outra médica que fizesse o pedido de um Trânsito Intestinal, conforme orientação ao telefone no final de Dezembro/06:

“Estômago e duodeno aparentemente sem alterações.
Trânsito do Delgado processando-se livremente.

As alças ileais apresentam-se hipotônicas, ligeiramente dilatadas, mas com pregueamento mucoso preservado.

Íleo terminal permeável, possuindo contornos irregulares e mucosa ligeiramente espessada.
Contrastação do apêndice cecal.”

Senti firmeza nesse laudo não. Confiava mais no que a médica visse nas chapas. Aliás, ela lia o laudo depois de ter visto e analisado todas as chapas, só para ver se haviam discordâncias. Ela retornaria de férias na metade do mês. Tinha que aguardar.

Nessa mesma época, levei meu Bebê (16 anos agora) novamente na médica clínica para refazermos os exames, em função dos cristais na urina no ano passado e os caroços na nuca, que não desapareceram. E ela continuava a reclamar da dor na região dos rins. Os exames foram bem, tudo normal. E o ultra-som dos caroços mostraram novos, mas pequenos também e o endocrinologista novamente disse que não havia nada a ser feito, pelo menos por enquanto. Aproveitei e levei-a também para a clínica de fonoaudiologia da faculdade em que estudo. Ela nasceu com o freio de língua, e no ano anterior fez a cirurgia de retirada do freio, mas continuava com dificuldade em pronunciar palavras, principalmente quando precisava falar depressa. Ela passaria por uma avaliação, que levaria algum tempo para se definir a real necessidade das sessões. E por fim fomos a um oftalmologista e descobrimos que ambas precisávamos usar óculos. Ela adorou, vocês acreditam nisso?

Logo no início do mês também, resolvi fazer uma pausa nas aplicações da Auto Hemoterapia. Sabia que uma pausa poderia ser benéfica e aproveitei o fato de que a pessoa que fazia as aplicações em mim, ia sair em viagem de férias. Estava sem os curativos da enfermeira da empresa das bolsas de colostomia porque havia o período de férias coletivas e elas só retornariam no final do mês, portanto, eu mesma estava cuidando da ferida. Vinte dias após a pausa, voltei com a Auto Hemoterapia. Mas a ferida estava uma beleza! Já estava toda vermelhinha, em processo de granulação, que significa que estava já entrando no processo de cicatrização. Vejam as fotos com as datas:

24/12/06


28/01/07


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sexta-feira, 7 de novembro de 2008

48- Fim de 2006!

Começo a relatar o mês de Dezembro/06 pela ferida ao lado do estoma. Já estava na 9ª aplicação da Auto-Hemoterapia no início do mês e comecei a notar algo interessante. A ferida dava mostras de que estava melhorando e de repente piorava ou estabilizava. Não voltou ao nível que estava no início, mas havia uma resistência grande em fechar. Resolvi então pedir ajuda para a enfermeira de uma das empresas fabricantes de bolsa de colostomia, a mesma que me orientou na primeira vez após a cirurgia. Marcamos para ela dar uma olhada na sede da AMOS (Associação Mineira dos Ostomizados) e ela não gostou do que viu e foi bastante sincera comigo. Falou que não se sentia apta a cuidar dessa ferida em específico, mas que marcaria com a enfermeira diretamente superior a ela e que tinha experiência na área. E assim foi. Depois de encontrar com a segunda, começamos o tratamento com uma pasta da empresa delas, a mesma que usei quando a ferida começou e, aparentemente, começou a haver uma melhora durante as 2 primeiras semanas.


Paralelamente, logo na primeira semana do mês, fiz uma bateria de exames de sangue para o controle de rotina. As alterações: albumina baixa (como sempre), Proteína C Reativa (claro, por causa da ferida), e no hemograma os linfócitos estavam um pouco baixo, mas os monócitos estavam a 7%. A maior alteração mesmo foi a hemoglobina, pois estava 10,8 g/dl. Minha médica então prescreveu um sulfato ferroso e ácido fólico. Comecei a tomar no dia 22 e no dia 29 à noite (na madrugada), tive uma cólica muito forte, mas muito forte mesmo, parecida com a dor que senti no dia em que fui de ambulância para o pronto atendimento do hospital. Senti muito medo, principalmente porque estava sozinha, novamente, com minha filha. Meu primeiro pensamento foi não querer que ela passasse por aquilo tudo novamente. Então liguei pra médica, que estava de férias com a família, e suspendi imediatamente o sulfato ferroso, pois poderia ser ele o agente causador, já que ele resseca as fezes. E realmente a dor cessou após a interrupção.

E saindo agora um pouco da doença, quero falar sobre o Natal e o fim de ano. O Natal, para mim, é a segunda data mais importante do ano. É um instante mágico que sinto acontecer. Uma energia que não tenho como explicar. Um sentimento me invade independente da minha situação pessoal, um sentimento bom. Não quero dizer aquele sentimento que a maioria das pessoas têm com a proximidade do evento natalino, onde todos passam a ser bons e a pensar nos menos favorecidos. Sem querer me colocar em posição melhor que a de ninguém, ouso dizer que esse sentimento de bondade me acompanha em alguns momentos do ano. Não é isso que sinto forte no Natal. É como se eu voltasse a acreditar que o mundo pode ser melhor e que as pessoas conseguem amar indistintamente. Tenho esperança de um mundo melhor, uma regeneração para todos e com todos. É uma época em que minhas conversas com Deus são mais otimistas e que digo a Ele que, por mais que eu não queira, no próximo período preciso continuar a viver e passar pelas provas que necessito para poder ser plena em um futuro próximo. É a época em que acredito que posso fazer a diferença, mesmo sendo diferente. E que, em algum lugar, existe alguém que entende o que sinto, digo e faço. Sinto isso em todos os dezembros de todos os anos, e é a primeira vez que digo realmente o que significa o Natal para mim.

Nesse ano de 2006 eu tinha um namorado... Há quanto tempo isso não acontecia... Claro que, com tão pouco tempo de namoro, não iria mostrar esse meu pensamento, pois nossa intimidade estava apenas crescendo e essas definições e interpretações de datas são muito pessoais e nem sempre compreendidas. Sei que seria respeitada, mas não era suficiente, queria também que me entendesse. Eu passaria a noite de Natal na casa de uma tia, com toda a família reunida e ele em casa, com a mãe e o filho. Combinamos que eu ligaria após meia-noite, e liguei. A mãe dele quem atendeu... Quase tive um troço! Conversamos rapidamente, nos desejamos um feliz Natal e foi isso. Nosso primeiro Natal juntos. Já o Ano Novo... Ah!... esse sim, foi muito especial! Encontramos na net após a virada do ano e ficamos juntos até o dia clarear. Nossa conversa foi ótima e para mim, inesquecível! Realmente essa relação estava sendo diferente, apesar de vários pontos contra. Digo vários, porque ainda estava presa ao passado, aos meus traumas de relacionamento e não sabia como me livrar deles. Tinha medo de sofrer de novo e além disso tinha a distância, que naquele momento não era algo positivo. Tudo que queria era um colo, um abraço, um ombro. Ele também era muito preso ao passado, suas atitudes e palavras sempre demonstravam isso, mas ele não admitia. Aliás, dizia o contrário.

Mas algo interessante ocorreu nesse final de ano. Lembram que eu disse que a cólica forte foi na noite do dia 29? Pois é... Não havia ligado um fato ao outro na época, somente agora em que estou escrevendo esse capítulo. No dia 29, no final da tarde, meu namorado havia me mandado uma mensagem no celular dizendo que havia comprado a passagem para vir aqui, me encontrar. Seria nosso primeiro encontro como namorados. E na hora em que li a mensagem fiquei tão emocionada e feliz, que chorei... Claro, vocês já sabem que choro à toa, mas foi um choro feliz, choro de quem sente que coisas boas ainda podem acontecer. Talvez a emoção tenha sido forte demais e, associada ao efeito do medicamento, possa ter ajudado no processo da cólica. Enfim, o que sei é que foi um momento marcante, mesmo sendo precedido da cólica chata.

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domingo, 2 de novembro de 2008

47- Re-re-recomeçando!

Começo agora a relatar o mês de novembro (2006). Foi um mês em que tenho um prazer enorme em relatar aqui, pois mudanças significativas ocorreram em minha vida, como vocês verão agora.

Em relação à auto-hemoterapia, comecei o mês fazendo a quinta aplicação. E, para surpresa minha e da minha médica, a doença estava sob controle. As evacuações estavam se normalizando e eu estava com mais domínio em relação ao uso da bolsa também. As dores da sacroileíte e das hérnias de disco diminuíram bastante e só incomodavam quando eu abusava da postura. Em alguns dias ficava horas seguidas no computador e isso provoca dores lombares e acho que também das hérnias. Mas um repouso fazia o quadro melhorar e, por isso não me preocupei. A fístula também estava tranqüila e só funcionava como túnel entre o ânus e a vagina.

Para explicar melhor esse quadro é necessário lembrar que o que foi retirado durante a cirurgia foi um pequeno pedaço do reto, mas a maior parte dele foi preservada. E em uma linguagem bem popular, ele foi “costurado” para não ter passagem entre ele e a cavidade interna onde ficava a porção do intestino que fora extirpada. Mas logo após a cirurgia, quando eu tive uma infecção, ficamos com receio de serem fezes novamente na cavidade abdominal e minha médica retirou esses pontos que isolavam o ânus. Mas o foco da infecção não era lá e sim, no intestino mesmo, perto do estoma. A infecção foi tratada, como relatei antes, e essa “abertura” do ânus com a cavidade abdominal permaneceu. Como a cavidade foi muito mexida na cirurgia, a produção de fibrina era bem grande, e geralmente eu sentia vontade de evacuar, mas não eram fezes, claro, pois elas saiam pelo estoma. Era a fibrina saindo pelo ânus. Foi então que vi minha fístula novamente funcionando. A fibrina não saía pela vagina porque era muito espessa, mas a parte líquida passava toda a ponto de minha calcinha ficar encharcada. Com isso, tive que começar a usar absorvente íntimo diariamente e isso gerou uma alergia constante. Mas pela primeira vez não reclamava, pois sabia exatamente o que estava acontecendo comigo e com meu corpo. Essa sensação de ter controle novamente sobre mim mesma era muito boa.

Outro fator me deixava mais segura também, que era o fato de ter conseguido parar de fumar. Completavam 2 meses e, desde aquela noite decisiva com meu Bebê, não havia tragado nem de leve mais nenhum cigarro. Domínio... vontade... Como isso era bom!

Na faculdade as coisas caminhavam bem. As aulas não eram lá grandes coisas não. As matérias estavam desinteressantes e os professores não colaboravam. Praticamente não tinham didática e isso tornava a aula muito cansativa e desestimulante. Tínhamos muitos trabalhos a fazer e apresentar. Eram trabalhos em grupo, mas como sempre, somente alguns trabalhavam e eu era uma delas. Não me incomodava porque ajudava a passar o tempo em casa, mas não suportava a idéia de discussões e cobranças no grupo por parte de quem não fazia nada e isso era terrivelmente desgastante.

Minhas finanças continuavam lá embaixo, mas lá embaixo mesmo! A cada mês precisava usar um pouco mais do meu limite especial no banco. Isso sim me preocupava e me tirava do sério. Todas as preocupações que eu evitava, todo meu esforço em relaxar para melhorar pareciam sem sentido quando o assunto era dinheiro e contas a pagar.

Mas esse mês, nem tudo foi ruim, pelo contrário. Apesar de ter sido um ano difícil para mim, física e emocionalmente, um ano realmente marcante em minha vida, algo de muito bom aconteceu. Eu comecei a namorar e foi diferente de tudo que eu já tinha vivido até hoje, começando pelo fato de morarmos longe. Entre São Paulo e Belo Horizonte, de ônibus, a viagem dura em torno de 8 horas... Mas a diferença real para mim não estava nesse ponto. Eu estava segura, completamente segura do que eu queria, mesmo havendo decidido ficar só para sempre até algum tempo atrás. Vislumbrava minha vida com ele, plenamente. Sentia que seria aquela relação que eu sempre quis para mim, não só em sonhos mas para ser real um dia. Conseguia enxergar nele um companheiro para o dia-a-dia, para aquela rotina de vida, ao acordar, ao chegar em casa após o trabalho, ao ir dormir, os finais de semana com a família, enfim... para o sempre. Isso tudo antes mesmo de decidir pelo início do namoro. Foi algo muito forte, intenso e único. A certeza de estar tomando a decisão certa era tão grande que não receava a reação dos meus pais e olha que eles teriam motivos para não gostar, como a distância e o pouquíssimo tempo de convivência. Mas não queria que as pessoas soubessem, por enquanto. Queria curtir sem a opinião dos outros, sem a influência, sem os pensamentos, sem os questionamentos. Só fiz questão de contar para minha filha, claro. Ela foi a primeira a ficar sabendo. E aqui começa, definitivamente, um novo capítulo em minha vida pois sabia que as coisas mudariam completamente com esse namoro, e o que mais me assustava, EU mudaria.

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sábado, 11 de outubro de 2008

46- Acontecimentos Importantes

Nesse intervalo, desde o dia da biópsia, tentei marcar com uma enfermeira especializada em tratamento de feridas (estomaterapeuta), para que diagnosticasse o melhor curativo para a ferida naquele momento. Eu não ia arriscar com o conhecimento que tinha porque era uma situação atípica, pois a ferida estava embaixo de uma placa que adere à pele, evitando assim que ela respirasse, e ao lado do estoma, por onde saíam fezes regularmente, várias vezes ao dia. Consegui marcar a consulta para o dia 16 de outubro/06.

Na consulta, ela indicou que eu usasse uma placa de hidrocolóide, para facilitar a granulação da ferida. Já saí da consulta usando uma, que era fixada em cima da ferida, e protegida das fezes nas laterais pela pasta que usava antes, para logo depois fixar a bolsa da colostomia. Eis o relatório de Enfermagem da consulta:

“Doença de Crohn grave com ferida aberta periestomal. Feito biópsia da ferida em 02/10 (inflamação aguda e crônica ulcerada em pele peri-colostômica”

Só que fiquei sabendo que essa enfermeira era representante da marca de bolsa que eu usava quando a ferida surgiu. E também achei estranho não marcarem um retorno.

Agora, além do trabalho para trocar a bolsa, pois tinha que cuidar da ferida com mais calma, comecei a ter mais gastos com as placas de hidrocolóides, que não são baratas. Mas agora vou postar mais duas fotos, de 15 de outubro (1 dia antes do uso da placa de hidrocolóide) e dia 19 de outubro (4 dias após). A diferença é mínima, em relação à diferença ocorrida tão rapidamente conforme exposto acima, após a auto-hemoterapia.


Logo depois, veio o resultado da biópsia:


“Biópsia de pele peri-colostômica para esclarecimento diagnóstico. Retalho irregular de pele e subcutâneo medindo 0,9 x 0,7cm em áreas 1,5cm de espessura.

MICROSCOPIA: uma lâmina mostra cortes de pele e partes moles subjacentes apresentando moderado infiltrado inflamatório granulomonocuclear multifocal com área de ulceração e de necrose. A epiderme exibe acantose regular. Ausência de processo específico ou de malignidade.

DIAGNÓSTICO: inflamação aguda e crônica ulcerada em pele peri-colostômica.”


Estava descartado Pioderma Gangrenoso e a Doença de Crohn na pele. Não sabíamos o que era, mas precisávamos cuidar, claro. Eu, particularmente, suspeitava da alergia ao material da bolsa de colostomia. E aí começa mais um desgaste. A tentativa de fechar essa ferida para a realização da cirurgia de hérnia e correção do estoma. Mas a cada dia que passava, outro problema começava a ficar mais sério. Meu estoma estava fibrosando... Se vocês observarem melhor a foto, meu estoma está esbranquiçado, sendo que o normal é ele ser vermelho, já que é a própria mucosa do intestino.

Mas como na vida sempre aparecem compensações, começo aqui o relato do que de melhor pôde me acontecer esse ano, quiçá, nos últimos anos de minha vida: me apaixonei. Não vou detalhar porque envolve outra pessoa além de mim, mas preciso relatar os acontecimentos importantes dessa etapa, para que o emocional possa ser colocado em pauta aqui.

Começou a aflorar em mim um sentimento muito gostoso, como há muito tempo eu não sentia. E aí, o medo fez morada. Todas as experiências anteriores vieram à tona dentro de mim e questionamentos intermináveis começaram a tomar conta da minha cabeça. Precisava decidir, antes de qualquer coisa, se estava disposta a arriscar uma relação a dois novamente. Mas devo confessar aqui, pela primeira vez, que não conseguia tomar essa decisão, pois o medo era muito grande e forte, tanto para arriscar como para desistir. Sinceramente não entendia por que esse despertar estava acontecendo nesse momento, onde tudo estava complicado para mim. Foi então que veio o seguinte raciocínio: se um sentimento desses aflorou nesse momento, pode ser a vida me dando outra chance de ser feliz, por que não?

Comecei, a partir desse instante, a me soltar mais com ele, falar dos problemas atuais, das preocupações, e ele foi se soltando um pouco mais também. E uma certa intimidade aflorou entre nós, mas de uma forma bem espontânea e natural. Tudo isso começou a me fazer muito bem e, no final desse mês de outubro, procurei pensar friamente, racionalmente, coisa que para mim é dificílimo. Será que não era apenas carência afetiva?


Essas e outras perguntas teimavam em fazer morada dentro de mim, pois não queria e não podia errar de novo. E uma outra pergunta, muito forte, também fazia parceria com essas: e se fosse melhor continuar sozinha para o resto da vida? Poderia não ser feliz, mas também não correria risco de sofrer mais do que já tinha sofrido até então. Mas a idéia de ficar com ele era tão forte, que decidi encarar. Sei que aqui estou contando rapidamente como me senti na época, mas saibam que foram dias intermináveis até tomar essa decisão. Quando digo que decidi encarar, quero dizer que resolvi sair da concha e tentar, mas estava morrendo de medo de sofrer novamente, muito medo mesmo. Mas o que seria de mim se parasse de tentar? Como poderia conviver com a dúvida se teria dado certo ou não? Eu estava desmotivada sim, mas foi ele mesmo que me animou novamente. E depois de muito pensar, cheguei à conclusão que o que sentia dentro de mim não era gratidão somente. Claro que eu era grata por tudo que ele estava fazendo por mim (já éramos amigos), mas existia algo além desse sentimento, um frio na barriga, a vontade de encontrá-lo pessoalmente e trocar um abraço bem forte e carinhoso, entre outras tantas vontades. Sim! Eu iria arriscar!

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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

45- O Estoma, ao vivo!

A partir desse post, começarei a mostrar fotos do meu estoma, que precisei tirar na época para registro da evolução da ferida. O problema é que algumas pessoas não conseguem ver fotos fortes assim, porque elas mostram a ferida. Por isso, peço desculpas, mas acho fundamental mostrar e divulgar...

Conforme combinado, no dia 02 de outubro de 2006 fui até o ambulatório do hospital para realizar a biópsia da ferida ao lado do estoma. É interessante como que anestesia local pega muito mal em mim. Senti muita dor durante o procedimento. Sangrou muito e senti ela cortando o pedaço da ferida e doeu mais ainda na hora dos pontos. Mas precisávamos fazer essa biópsia para descartar as suspeitas de Crohn na pele e de Pioderma Gangrenoso. E ainda fiquei “babando” com as mãos da médica em mim. Que precisão no corte e na hora dos pontos. Se não fosse a dor, teria aproveitado mais aquele momento para aprender.

E voltei para casa, com uma ferida a mais e com mais dor também. Essa foto é do estoma, da ferida, e o ponto cirúrgico da retirada de material para biópsia:

Vou abrir um espaço aqui para contar a vocês um acontecimento de meses atrás, que resolvi fazer uso nesse momento, em outubro de 2006. E quero ressaltar que vou relatar e assumir fazer uso de uma técnica que ainda não é aprovada pelo Conselho Federal de Medicina, nem pela ANVISA (por motivos óbvios), mas me convenci de que queria tentar em mim por um período de experiência. Estudei mais profundamente e cheguei à conclusão de que valia a pena. Minha intenção não é fazer propaganda nem tentar convencer ninguém de que a técnica funciona, mas de relatar minha experiência com ela. Uma amiga da família, logo após minha cirurgia, entregou a meus pais um DVD de um médico do Rio de Janeiro, Dr. Luiz Moura, onde ele explica o uso da Auto-hemoterapia: sua técnica e seus efeitos em vários tipos de doenças. A história dele com essa técnica vem de muitos anos atrás, logo quando se formou em medicina. Não entrarei em detalhes para não fugir do objetivo. Irei somente relatar em que consiste a técnica e sua relação com a doença de Crohn. Quem quiser pesquisar pode achar tudo que quiser na internet.

A explicação é bem simples e fácil de entender: retira-se um pouco de sangue da veia (de 5 a 20ml, dependendo da gravidade de cada caso), e aplica-se no músculo dos braços ou glúteos. Nosso organismo não reconhece o sangue fora da veia, portanto, ao aplicá-lo no músculo, ele achará que é um invasor e mandará “soldados” até o local para combatê-lo. Isso significa que nossas células de defesa serão produzidas em maior quantidade para garantir esse “ataque” ao invasor. Como o sangue é da própria pessoa, ele será absorvido sem problema nenhum pelo próprio organismo. Após algumas experiências, esse médico consegue provar, através de testes relatados por ele nesse DVD, que a taxa de macrófagos no sangue aumenta de 5% para 22%, e permanece assim durante 5 dias, quando a taxa começa a decrescer. Com isso, a técnica é refeita em 7 dias. Resumidamente é isso.

Bom, aí vocês podem me perguntar: se a Doença de Crohn é uma doença auto-imune, estimular a imunidade não é acelerar o processo da doença? O que consegue se concluir é que, no momento em que a taxa de macrófagos é aumentada, os mesmos se dirigem para a área invadida, onde o sangue foi aplicado. Isso desvia a ação deles da região onde a doença está atacando. E após pesquisar bem mais a respeito do assunto, decidi fazer sim. E o meu problema imediato, nem era a doença propriamente dita, mas a ferida que eu queria e precisava que fechasse, tamanha era a dor de cabeça que ela provocava. Além da dor, que não era pouca, havia ainda o fato de ter que cuidar, a questão da bolsa que não colava direito e também o medo. Eu mesma estava cuidando e o desgaste era gigante. E se essa ferida só piorasse? E a cirurgia para corrigir a hérnia do estoma? Com essa ferida ao lado do estoma, no local da hérnia, como fazer? E meus gastos aumentaram absurdamente pois a pasta (pomada) era muito cara e as trocas de bolsas se tornaram mais freqüentes. Não conseguia me locomover de ônibus porque forçava e doía muito, assim como doía no bolso ter que pagar cada corrida de táxi. O resultado disso foi novamente entrar no cheque especial da minha conta bancária. E meu emocional foi lá embaixo novamente...

Comecei então a procurar quem aplicasse a técnica da auto-hemoterapia. Queria começar com urgência. Consegui uma profissional da área da psicologia que fazia as aplicações e fui até sua clínica. Era dia 07 de outubro de 2006, um sábado chuvoso. Não estava com medo da técnica em si, mas ultimamente minhas veias estavam difíceis de serem puncionadas. E realmente houve essa dificuldade, mas conseguimos e saí de lá muito satisfeita. Como disse anteriormente, não quero aqui convencer ninguém, mas apresentar os fatos. As fotos que mostro a seguir são respectivamente do dia 04 de outubro (2 dias após a biópsia e 3 dias antes da primeira aplicação da auto-hemoterapia), dia 08 de outubro (1 dia após a AH) e dia 10 de outubro.




A mudança é gritante, principalmente porque feridas desse jeito levam um tempo para passar de uma fase para outra na recuperação.

Agora vou recuperar meu fôlego... até a próxima!

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terça-feira, 23 de setembro de 2008

44- Meu Maior Tesouro

Olás! Começo relembrando aqui que o blog funciona como um livro. Cada postagem é um capítulo, por isso coloco numeração. Deve ser lido na ordem. E como descrevo sempre, estou relatando minha experiência com a Doença de Crohn, desde o ano 2000 quando ela surgiu em minha vida. E no relato estou no ano de 2006, ou seja, o que estou relatando hoje, na postagem 44, aconteceu em fins de 2006. Atualmente (out/2008) as coisas estão bem diferentes já.


Continuando o relato anterior, entrei em meu quarto chorando compulsivamente...


Mas meu bebê estava no computador do meu quarto, conversando com uma amiga pela Internet. Como fazia sempre que ficava perto dela, procurei recolher o choro, mas dessa vez foi impossível. Deitei na cama e continuei a chorar. Claro que ela veio ao meu socorro. Esperou eu me acalmar um pouco e tentou saber de mim o que estava acontecendo. Então contei a ela o ocorrido no consultório e o meu desespero em saber que necessitava parar com o cigarro, mas que tinha muito medo. Vou tentar reescrever nosso diálogo, claro que pegando o essencial, pois não vou conseguir lembrar das palavras certas agora, mas a essência ficou marcada para sempre:

- Mãe, olha para mim.

- ...

- Mãe... você quer parar de fumar?

- Quero muito, mas tenho medo do “depois”...

- Como assim, mãe?

- (em prantos...) Tenho medo de conseguir parar e, na hora em que eu realmente precisar dele e eu não encontrá-lo à minha disposição, eu não saber o que fazer e perder a razão.

- E se você parar de fumar e quando sentir necessidade dele, ao invés de usá-lo, usar a mim?

Naquele momento congelei. Minha filha de 16 anos estava agindo comigo como uma adulta e eu parecia ser a adolescente naquele momento. Mas isso era o de menos. Que espécie de mãe eu era a ponto de sujeitá-la a vivenciar aquilo? Era ela que estava cuidando de mim naquele momento! Mas estava tão desmotivada, sem forças e desanimada, que não tive energia para reagir e chorei mais ainda. Me senti um lixo, como se tivesse cometendo o pior dos pecados...

- Filha, não posso usar você. Primeiro isso não é justo por você ser minha filha, e depois porque não é certo usar as pessoas para descarregarmos nossos problemas. Não farei isso, em sã consciência, com você.

- Mãe, você quer mesmo parar de fumar?

- Quero! (e chorando...)

- Então só tem um jeito: parando. E tem que ser de uma vez só. Não acredito que vício a gente vai largando aos poucos. Você topa?

- ...

- Mãe?

- O que você sugere?

Ela pegou uma sacola de plástico, me entregou e disse:

- Coloca aqui dentro todos os seus cigarros e tudo relacionado a eles também.

Obedeci. No final, a sacola tinha 3 maços de cigarro, 2 isqueiros, 2 cigarreiras, 1 cinzeiro. Ela pegou a sacola, amarrou e me disse:

- Agora você fica aqui que vou levar até o lixo, tá?

- Tá bom. Eu espero.

Ela demorou uns 10 minutos.

- Pronto. Demorei porque fui levar até o lixo da garagem, para que você não ficasse com vontade de atacar o lixo daqui, de madrugada. E antes que você pense que pode perfeitamente ir até o lixo da garagem para pegar um cigarro, eu molhei tudo que tinha dentro da sacola e amassei bem. Ta tudo destruído.

- ...

- Se acontecer de você não conseguir dormir, querer ou precisar muito de fumar, vá até meu quarto, me acorde que venho te fazer companhia. Desse jeito tenho certeza de que você vai conseguir.

E assim aconteceu. No dia 18 de setembro de 2006, parei de fumar após 20 anos ininterruptos com esse vício. E graças à minha filha.


Não tenho vergonha de contar esse meu momento de fraqueza, pelo contrário. Tenho orgulho da atitude dela para comigo, atitude de amiga, atitude madura. Nunca esquecerei esse dia e a firmeza de caráter dela. Minha filha linda, obrigada!

Refiz alguns exames de sangue e minha hemoglobina estava baixa (11 g/dL) e meus linfócitos também.

Na semana seguinte voltei ao consultório para a médica ver a ferida e marcar a biópsia. Não houve regressão e marcamos a biópsia para o dia 02 de outubro. Contei a ela que havia parado de fumar e ela deu um largo sorriso. Ficou muito feliz, mas achei que ficaria mais. Acho que uma semana sem fumar não significa muita coisa. Contei para outras pessoas também, mas não senti ninguém muito empolgado com a notícia, só eu mesma e minha filha. Apenas depois de um mês que as pessoas realmente começariam a me dar credibilidade. Mas aí, já não precisei mais. Busquei apoio em mim mesma e consegui. Depois daquela noite com meu bebê me “salvando”, não coloquei mais cigarro na boca. E assim terminei o mês de setembro. Um mês de conquistas, descobertas e acontecimentos marcantes.

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43- Dia Marcante: 18/09/2006

No começo do mês de setembro tive uma novidade desagradável (mais uma!): ao lado do meu estoma, apareceu uma ferida, bem embaixo da placa da bolsa de colostomia. Espero que vocês possam imaginar o tamanho do meu susto. Estava justamente voltando a ter uma vida relativamente normal, pois já estava me adaptando ao estoma, a perna estava bem melhor, as aulas na faculdade estavam interessantes e havia retomado alguns contatos pessoais quando isso aconteceu.

Liguei para minha médica pedindo uma consulta urgente, mas só consegui para 18 de setembro. Enquanto isso, fui até a AMÓS e comprei uma pasta própria para se passar na pele, embaixo da placa da bolsa, para proteção. Não vou dizer o nome/marca para não interferir nas opções de quem estiver lendo, pois na verdade, tanto as bolsas quanto os acessórios dependem do tipo de pele do usuário. Mas essa pasta cara a Associação consegue a preço de custo para os associados. Comecei a passar na ferida, para que pudesse colocar a placa, mas depois de alguns dias isso ficou impossível, pois a ferida estava com muita secreção e por isso a pasta não fixava além de arder horrores, pois ela contém álcool. Era a conta de encostá-la na ferida e tinha a sensação de estar queimando, era horrível a dor. Mesmo assim continuei aplicando até o dia da consulta. E esse dia foi marcante demais para mim...

Minha mãe foi me acompanhando até o consultório e presenciou cada detalhe dentro daquela sala. Fui examinada pela médica e, claro, ela não gostou do que viu. Ficou até um pouco chocada, tanto que chamou as outras duas colegas da clínica para verem a ferida e ajudarem-na no diagnóstico. Mas ambas foram categóricas em afirmar que não seria possível diagnosticar e que o melhor seria fazer uma biópsia para exclusão. Na opinião das três poderia ser Pioderma Gangrenoso (úlcera na pele que pode estar associado a alguma doença sistêmica, no caso, o Crohn) ou até mesmo a doença de Crohn com manifestação na pele, apesar de ser raríssimo.

E pensamos também na hipótese de ser uma alergia da pele em relação à resina da bolsa de colostomia. Elas então saíram e fui me vestir para conversar e analisar o que deveria fazer. Foi a conversa mais difícil que tive até hoje com a médica.

Primeiramente ela disse que a biópsia deveria ser realizada e que iríamos marcar um dia para fazer no ambulatório do hospital, pois necessitava de anestesia local e esse procedimento só poderia ser realizado lá. Ela manteria a medicação e incluiu um antibiótico. E que independente do diagnóstico, algumas considerações deveriam ser levadas em conta. Claro que a causa da ferida poderia ser a placa da bolsa que pode ter irritado a pele a ponto de feri-la. Mas que eu não deveria esquecer de que no mês anterior eu estava com infecção intestinal e que a ferida estava localizada exatamente ao lado do estoma, por onde as fezes saíam. E era exatamente sobre isso que ela queria conversar.

Nesse momento ela começou a falar de uma forma bastante séria e me disse que, mesmo eu sendo uma paciente que seguia o tratamento à risca, algumas atitudes minhas não condiziam com o conhecimento que eu tinha (graduanda em Enfermagem). E que ela tinha certeza absoluta que o cigarro prejudicava minha doença de uma forma muito violenta. Ela deixou claro que não estava falando dos malefícios do cigarro em meu corpo de um modo geral, e sim voltado para o Crohn. Disse também que iria cuidar de mim até onde Deus permitisse, mas que queria ter a consciência tranqüila de ter me alertado a respeito do problema. E terminou falando que essa seria a última vez em que ela falaria comigo a respeito do cigarro.


Enquanto ela foi falando, senti meu mundo ruir. Claro que eu sabia dos problemas do cigarro, mas eu precisava dele e muito. Será que ninguém nunca entenderia isso? Eu perdi tudo na vida: minhas economias, meus amores, minha vontade de amar alguém, meus amigos, meu físico, minha vida pessoal, minha estima. O cigarro era meu único companheiro, minha bengala. Era nele que eu me apoiava para tudo. Como poderia largá-lo? E descobri que meu maior medo era não conseguir fazer isso, tentar largar e não conseguir. Sofrer por mais um motivo. Enquanto pensava nisso tudo, fui desabando. Chorei, mas dessa vez sem receio de despertar opiniões a meu respeito. Foi como um choro de criança. E minha médica não foi complascente, ao contrário, continuou fria e seca. Despedi, prometendo retornar na semana seguinte para ver a ferida novamente.

Saí de lá arrasada, querendo nunca mais voltar a pisar ali. E minha mãe ao meu lado, presenciando tudo. Enquanto ela buscava o carro no estacionamento aproveitei para fumar um cigarro. Como ele me aliviava! O pior de tudo é que não conseguia parar de chorar e chamava a atenção de todos que passavam por mim na rua. E entrei no carro chorando. E cheguei em casa chorando. Passei direto e fui para o meu quarto pois queria ficar só e isolada, chorar tudo que estava guardado há tempos. Entrei para o quarto e bati a porta, estava com muita raiva. Me sentia uma inútil, impotente. Tudo que eu fazia era insuficiente, nada dava certo. Procurava não fazer mal a ninguém e só tinha dificuldades em controlar o pensamento. Ainda era muito orgulhosa e intransigente com os outros, mas já me policiava bastante quanto a isso. Sempre tentei proporcionar o melhor para minha filha e também passei a evitar discussões em casa para manter um clima de convivência agradável. A única coisa consciente que eu fazia de errado era fumar, e mesmo assim, só prejudicava a mim mesma pois nem dentro de casa eu fumava. Estava com raiva sim, queria gritar para o mundo que também sou gente, tenho necessidades e desejos.


Por que tudo sempre é tirado de mim?


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terça-feira, 16 de setembro de 2008

42- Mais Novidades...

Então... parei no mês de julho de 2006... quase 4 meses após a cirurgia...

Cheguei no lugar onde consigo as bolsas de colostomia gratuitamente e marquei com o enfermeiro que fazia o atendimento da tarde, para que ele me ensinasse a técnica da irrigação e tentasse arrumar o material para mim, pois é muito caro. Fui levando um relatório da minha médica, dizendo que eu tinha condições de tentar a irrigação, mesmo sendo portadora de Doença de Crohn. Mas o danado do enfermeiro foi irredutível. Enfrentou o relatório e disse que não iria me liberar para irrigação, em função do protocolo. Pedi para ver o protocolo. Ele me trouxe umas folhas datilografadas... isso mesmo... d-a-t-i-l-o-g-r-a-f-a-d-a-s, e não vi referência alguma do Ministério da Saúde.

Ele disse que o protocolo foi criado por eles mesmos e que realmente precisava ser atualizado, mas que aquela regra continuava valendo. Nossa... saí de lá espumando de raiva. O cara me tirou qualquer esperança de melhorar minha qualidade de vida! A irrigação era tudo que eu queria naquele momento... tava toda animada, depois de muito tempo...

Como não comecei a irrigação nesse momento, deixarei para explicá-la detalhadamente quando chegar a época em que realmente comecei a fazer uso, ok?

O mês de agosto começou e, logo no primeiro dia de aula, não fui. Era dia da perícia médica da Previdência e sobre essa perícia quero comentar. Fui atendida por uma médica que estava começando nessa área de perícias, mas que parecia ter maturidade suficiente para tal feito. E ela fez algo inédito até onde sei nas minhas idas até lá. Ela me examinou dos pés à cabeça. Imaginem a minha surpresa! Nesse dia, eu estava com 4 meses de cirurgia. Eis o relatório da minha médica:


“A paciente é portadora de doença de Crohn grave. Foi operada em março/06 com proctocolectomia com colostomia esquerda terminal. Evoluiu com quadro de trombose venosa profunda, em tratamento. Segue com controle médico e uso de medicação pertinente.”


Após o exame, ela chamou o “chefe” e eles analisaram e decidiram me aposentar... Nesse momento, comecei a chorar (é, chorei de novo). Disse a eles que não queria me aposentar, que estava no final do curso de Enfermagem, que queria trabalhar muito ainda e que minha médica já queria que eu começasse a irrigação. Aí eles confabularam novamente. Resolveram não me dar a aposentadoria, mas me deram mais dois anos de auxílio-doença. Próxima perícia só em Agosto de 2008! E ainda disseram que eu era muito estranha. Todo mundo queria aposentar e eu não...

Recomecei as aulas. Os primeiros dias foram muito difíceis para mim. Além da curiosidade do pessoal, ainda tinha que lidar com o barulho dos gases, que saíam a todo momento. Agora sim, era constrangedor... soltava os gases em público. Pelo menos a bolsa retinha o cheiro. Bom, mas tinha que ficar sentada a manhã toda e isso ajuda os gases a acumularem. E ainda tinha que ficar com a perna da trombose para cima. Como não podia fazer esforço físico e isso incluía andar de ônibus, resolvi contratar os serviços de uma Van. O motorista me pegava e deixava na porta de casa todos os dias. Outra despesa a mais...

Nessa mesma semana da perícia, comecei com uma diarréia brava. E novamente fiz associação com as coisas que estavam me acontecendo: reinício das aulas, agora ostomizada; apreensão pela perícia; o enfermeiro que não me permitiu fazer a irrigação; a falta de dinheiro (sempre). Para quem estava há meses parada em casa, até que esses acontecimentos não eram pouca coisa. Fui até minha médica, claro. E o que constatamos? Ahá! Estava com infecção intestinal! Legal...

Comecei com antibiótico. E também voltei com a Mesalazina...Ela me providenciou também um segundo relatório para que eu levasse até o tal enfermeiro, com os seguintes dizeres:


“A paciente é portadora de colostomia terminal à esquerda devido à doença de Crohn. Apesar da presença de hérnia pericolostômica, a paciente TEM condição de realizar irrigação da colostomia. Favor fornecer o material e orientação necessárias.”


O grifo não é meu, está exatamente assim no relatório. Pergunto: vocês acham que adiantou? O cara nem quis me atender. Aí enfezei. Fui até a AMOS (Associação Mineira de Ostomizados). Eles já me conheciam de nome, por causa do GADII, e relatei o acontecido. Me prometeram o material para o mês seguinte. Fiquei no aguardo.

Mas o mês ainda não havia terminado... ah... nunca acredite que as coisas não podem piorar...

Como eu disse anteriormente, estava usando uma meia de compressão na perna esquerda. E, com a ajuda do corticóide, havia engordado uns 15kg desde a cirurgia. Como fiquei muito tempo de repouso, juntando o peso a mais, a meia na perna que fazia compressão, e o fato de ter um estoma na barriga, tinha dificuldades de caminhar com segurança. Não deu outra. No dia 22, saindo da aula a caminho da Van, levo um tombo. Mas essa queda foi muito estranha. O passeio era plano, sem nenhum buraquinho que me fizesse tropeçar. E não me senti tropeçando, mas sim, sendo empurrada. E estava só naquele momento. Caí como uma jaca madura. Com medo de cair de barriga, coloquei o peso na minha perna que caiu primeiro no chão: a da trombose. Resultado: ralei os dois joelhos, com sangramento importante no esquerdo; torci o pé esquerdo que inchou na mesma hora; e adquiri alguns roxos em alguns pontos das duas pernas. Corri para o Pronto Atendimento, porque fiquei com medo pela perna da trombose. Mas não foi só uma torção no tornozelo. Fiz exames porque a dor estava muito forte no joelho. E lá constou que rompi o ligamento do joelho. Inchou muito e precisei de uma semana de repouso (sou a mulher dos repousos!). Mas o médico disse que foi um rompimento leve e que voltaria ao normal em um mês. Aiai...


E assim passei o mês de agosto...

domingo, 14 de setembro de 2008

41- AdaptAÇÃO

Chegou junho e fui até a ginecologista para meu exame de rotina e estava tudo muito bom. No mês de Julho/06 tive que tomar a decisão de voltar para a faculdade ou não. Sabia que teria que vencer e quebrar várias barreiras, dentro e fora de mim. Eu estava com uma bolsa de colostomia que se enchia de fezes na barriga!

Mas vou voltar dois meses na história para alguns acontecimentos (maio). Logo após o evento da trombose, fiquei gripada. Com isso, tossi e espirrei bastante. Resultado: uma hérnia, bem no meu estoma. Vejam, eu estava gorda (mais que o normal) por causa dos corticóides, tinha uma bolsa na barriga que por si só já faz volume, e agora uma hérnia. Eu parecia uma gorda grávida! Todo mundo me perguntava para quando era... tinha vontade de sumir! Logo depois descobri que os ostomizados foram enquadrados, na Lei, como deficientes físicos. Era tudo que eu precisava pra levantar minha estima: ser considerada deficiente física...


Passei altos apertos com a trombose e a hérnia. Por causa da trombose tinha que usar uma meia elástica para compressão que deveria vir até o último trombo, na virilha. Ou seja, meia até a cintura. Tive que mandar fazer uma meia de uma perna só, e com um buraco no lugar do estoma. Agora imaginem calçar essa meia todo dia (ela é apertada para dar compressão), com uma bolsa e uma hérnia na barriga, que já não era pequena. Foi um sufoco. Sei que são detalhes, mas que me desgastavam profundamente. Eu sabia que não seria “normal” novamente.

Outra coisa que quero ressaltar aqui é a rotina que passei a ter. Mensalmente ia até o SUS para pegar as bolsas de colostomia que conseguia de graça. Mas devo frisar que nunca chegavam no prazo certo. Todo mês havia atraso e sei de alguns pacientes que passavam apertos por não terem o dinheiro disponível para comprá-las. Outra rotina em minha vida foi fazer coleta de sangue semanalmente para controle do RNI. Minhas veias já não estavam muito boas para coletar sangue e isso começava a me preocupar. Quanto ao lado financeiro, tudo continuava da mesma forma. Tranquei a matrícula na faculdade, mas tinha tantos gastos depois da cirurgia que não consegui o tão esperado equilíbrio.

Recomecei a estudar em Agosto sem nenhum dinheiro sobrando. A única coisa que havia conseguido foi sair do cheque especial no banco (menos mal). E em Agosto também iria passar por nova perícia médica na Previdência. Falarei disso mais adiante. E para finalizar, em maio ainda, minha médica disse que o estoma estava necrosando! Eu deveria, todos os dias, abrir a bolsa (de duas peças) e introduzir o dedo mínimo por ele várias vezes, para evitar a estenose total...

Chegamos então no mês de Julho. No começo do mês, peguei as bolsas e colhi o sangue. E aqui comecei a realizar as coletas de sangue quinzenalmente. Na metade do mês refiz o exame na perna, referente à trombose. Os trombos estavam desfeitos, com a graça de Deus. Depois de tempos consegui dar uma suspirada de alívio. E aí, com essa melhora desse quadro específico, fiquei mais animada. Ainda deveria ter controle como, usar a meia, manter a perna elevada, o controle sanguíneo do RNI. Mas só de saber que não havia mais os trombos, já me deixava bastante aliviada. E foi nessa época que resolvi começar a escrever a minha história. Na verdade, o papo de dar vida à minha história partiu da minha médica. Ela dizia sempre que o meio médico não possuía ainda uma literatura informal, um relato mais aprofundado feito por um paciente de um caso de Doença Inflamatória Intestinal. Em outros países até já tinham, mas aqui no Brasil não. E era uma visão importante e necessária para esse profissional, já que é uma doença desencadeada pelo fator emocional. Por outro lado, seria também de grande utilidade para outros portadores da mesma doença, já que ela não é tão comum e faltam relatos cotidianos sobre o assunto. E ainda, por um terceiro ângulo, seria a terapia perfeita para mim. Ocuparia meu tempo e eu poderia fazer um retrospecto de tudo e desabafar também. Então, criei coragem, reuni a papelada que tinha e comecei a escrever. Não tem sido fácil escrever algumas coisas e relembrar outras. Às vezes sinto raiva, deixo o texto de lado, depois volto e faço as pazes com ele. Tem sido assim e tem sido muito bom.

Nesse mês de julho ainda, passei uma “raivinha” bem chata e desgastante. Pela literatura, a gente sabe que quem tem Doença de Crohn e é ostomizado não tem indicação para fazer a irrigação. Explico... Irrigação é um processo e uma técnica utilizada em colostomizados, ou seja, pessoas que foram ostomizadas no cólon. Na verdade, é como se fosse uma Lavagem Intestinal. Coloca-se, pela ação da gravidade, água para dentro do intestino e depois ela sai, trazendo junto as fezes. Quando o intestino se adapta ao processo, pode-se ficar sem a bolsa, porque ele não funcionará nos intervalos. Usa-se apenas um tampão. É o sonho de todo ostomizado. Para quem tem Crohn não é recomendado porque a doença é inflamatória, e geralmente vem a diarréia e a irrigação perde o sentido.

No próximo post volto para explicar mais detalhadamente a irrigação...

Bjim a todos!!!

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domingo, 7 de setembro de 2008

40- Tombos e Trombos

Chegamos (mais uma vez) ao hospital.

Fui levada ao Pronto Atendimento (novamente) e aguardei pelo cardiologista. Como era feriado, à noite, claro que quem estaria de plantão seria um residente. Pois bem, quando ele chegou, disse que havia feito uma cirurgia há poucos dias e que comecei a sentir as dores há poucas horas e que desconfiava de uma trombose. Ele olhou a perna (que vergonha de mostrar a perna, viu?), apertou em alguns pontos para que eu dissesse onde doía mais, colocou a perna para cima (cama de hospital é ótima por isso) e disse que iria ligar para seu superior, relatar tudo e ver quais as providências a serem tomadas. Gostei da sinceridade dele. Poucos residentes admitem que precisam opinar com alguém mais experiente. Ele voltou logo e disse que deveria se tratar de uma trombose sim, e que eu iria começar a tomar anti-coagulante. Iriam me internar (de novo!) e no dia seguinte eu faria os exames necessários. E assim foi. Só um detalhe: não consegui dormir quase nada...

No dia seguinte, logo cedo, o cardiologista apareceu. E aqui quero abrir um espaço para falar dessa criatura. Vou chamá-lo de “chicabon”. Vocês entenderão daqui a pouco o por quê. Ele entrou, pegou em minha mão, se apresentou e não soltou minha mão. Perguntou o que aconteceu, sobre a cirurgia, quis saber de tudo. Fui contando, mas ainda assim achando estranho. Ele não largava minha mão!

Depois que acabei de relatar tudo para ele, me largou (ufa!) e começou a me examinar. Mediu minha pressão arterial, auscultou meu peito, mediu meu pulso e olhou as pernas. Só uma estava inchada e roxa. E doendo. Ele apertou, como o residente e sentiu a temperatura. Aí sentou, sem cerimônia, e começou a conversar. Disse-me que conhece a minha médica e que iria conversar com ela sobre a cirurgia, para saber mais detalhes, e que voltaria para me falar a respeito. Realmente, logo depois, ele entrou e disse ter conversado com ela.

Ela disse que a cirurgia foi bastante complicada e, enquanto precisava limpar a cavidade pélvica, várias veias e artérias grandes tiveram que ser deslocadas. Com isso, alguns coágulos podem ter se formado e, com a mexida da cirurgia e as minhas também, esses coágulos devem ter se deslocado e parado em regiões por onde não mais conseguiam prosseguir viagem, formando assim o trombo. Como eu sentia dores fortes em vários locais da perna, e nem conseguia caminhar direito mais, era bem provável que eu tivesse com mais de um trombo. Eu faria um exame para identificar esses trombos. Ele novamente segurou minha mão e perguntou se eu estava bem. Eu disse que, tirando a dor da perna, tudo estava bem sim.

Quando ele saiu, minha mãe comentou que tinha gostado muito do jeito e da vibração dele. Eu disse que também havia sentido o mesmo, mas que achei muito estranho ele ficar segurando minha mão. É incrível como estamos desacostumados ao carinho... se alguém nos proporciona um, logo achamos estranho! Enfim, ele me fez visitas periódicas e foi super atencioso.


Como ele havia prescrito, fiz a ecocardiografia da perna esquerda em 24 de abril. O resultado:

“Realizado estudo do Sistema Venoso Profundo e Superficial, do membro inferior esquerdo, com aparelho Eco-Collor-Doppler HDI 3000.

- Trombose total das veias femoral comum, femoral superficial e junção safeno femoral, com vasos incompressíveis, imagem de trombos e ausência de fluxo.
- Trombose parcial das veias poplítea e tibiais posteriores com imagem de trombos e fluxo parcial nos vasos.
- Veias fibulares pervias, sem sinais de trombose.
- Veias musculares do plexo da panturrilha compressíveis, patentes, isentas de processo trombótico.

CONCLUSÃO: trombose profunda extensa no membro inferior esquerdo.


Fazia diariamente exame de sangue para controle da coagulação (RNI). A minha RNI estava alta e com risco de nova trombose. Tomava os anti-coagulantes prescritos e procurava me exercitar dentro do que ele havia me orientado. No quarto dia de internação ele chegou até minha cabeceira e disse que, em 4 dias ele achava que eu poderia ir para casa, que meu RNI estaria dentro do limite. Eu ri, e duvidei (porque estava alto mesmo!). Então ele perguntou se eu queria fazer uma aposta com ele. Eu respondi que sim, e que ganharia com facilidade. Apostamos então, um picolé. Por isso seu pseudônimo aqui é Chicabon. E claro, ele ganhou a aposta!

No dia seguinte a esse fato, ele sentou na poltrona ao lado da cama e conversou comigo. Disse que não me conhecia, que eu não era paciente dele, mas que ele gostou muito de mim e sentiu que eu não me deixava abalar por pouco. Que ele gostava de gente assim, guerreira. Que em qualquer nível em que minha vida estivesse, eu saberia enfrentar de frente. Aquilo me comoveu profundamente. Não me lembrava de quando tinha ouvido alguém me dizer palavras tão legais pela última vez. Eu tinha o apoio de algumas pessoas, mas ninguém chegava perto de mim prá falar essas coisas, olhando em meus olhos. Muito menos alguém como o Dr. Chicabon. É um homem fantástico, sensível, e que me fez ficar de pé novamente, literalmente.

Durante essa internação, recebi uma visita inesperada: meu ex-marido, com a esposa e minha ex-sogra. Aquela visita me deixou zangada e aliviada. Zangada pela cara-de-pau dele. Aliviada, porque só veio me confirmar que sua esposa tem consciência das coisas e isso me deixa tranqüila em relação à minha filha. Por um lado foi bom, porque ele sempre dizia que eu fazia muito drama com a minha doença e as coisas que aconteciam comigo. Ele pôde ver, pessoalmente, que eu não estava sendo dramática. Fiz questão de mostrar a bolsa de colostomia no abdomen.

Tive outras visitas legais, apesar de não gostar de receber visitas. Quando estou no hospital ou em casa após internação, gosto de ficar isolada. É meu jeito. As únicas pessoas de fora que não me incomodam quando aparecem são as que tenho afinidade, tipo minhas tias.

Lembram que, quando estava internando, eu disse que não queria raciocinar? Que isso me levaria a um quadro de inconformação? Pois é... Não teve jeito. No hospital, deitada, isso acontece meio que obrigatoriamente. Só para lembrar, sempre que me aborrecia, sentia necessidade de fumar. E fazia isso, no quarto mesmo, burlando todas as regras do hospital. E sabendo do risco de provocar outro trombo por causa do cigarro. Mas ou fazia isso ou começaria a ser uma pessoa agressiva ali mesmo. Quantas coisas passaram pela minha cabeça! Nem parece que acredito em Lei de Causa e Efeito e vida após a morte. Nem prece e nem leituras edificantes me tranqüilizaram nesse momento. Não conseguia aceitar as coisas que me aconteceram durante a vida. E sei que é exatamente aí que se encontra meu “start” para a doença atacar.

Não é que eu seja assim todo o tempo, geralmente sou o oposto disso. Mas, em alguns poucos instantes da vida, me dei o direito de sentir pena de mim mesma. E é horrível! Sei que nada nos acontece por acaso, mas você não ter as respostas te deixa muito vulnerável em momentos assim. Enquanto no meu dia-a-dia tenho uma fé grande, acredito em Deus e em meu anjo da guarda e tento inspirar essa confiança nas outras pessoas, naquele momento eu me sentia a cristã mais incrédula do planeta. “Homens de pouca fé!”... Me achava injustiçada, sacaneada.

Na vida, não consegui ser feliz em nada, nenhum projeto, nenhuma relação. Nada. E agora a saúde desse jeito, me privando de fazer o pouco que eu já fazia. Não era justo. Vejam bem, eu estava em um ciclo pessimista e não conseguia enxergar um futuro, quanto mais um futuro bom. E comecei também a me revoltar. Não tenho vergonha de assumir esse meu momento de fraqueza, pelo contrário, acho até que a maioria das pessoas que se encontram em meio a problemas grandes também se sintam da mesma forma. E tomei decisões, ali mesmo no hospital. Voltaria para casa, cuidaria da saúde porque é minha obrigação cuidar do meu corpo que é meu instrumento de evolução e cuidaria de continuar tentando um bom futuro para minha filha. E só! Não queria projetos a longo prazo, nem compromisso com ninguém. Passei a ter certeza absoluta de que deveria me concentrar e aceitar a viver só. E assim foi.

Em 28 de abril, recebi alta. O sumário da alta dizia:

MOTIVO DA INTERNAÇÃO: paciente portadora de doença de Crohn, em uso de azatioprina, fluoxetina, corticóide e clonazepam, em pós operatório recente de colostomia definitiva por necrose de parede de reto e sepse pélvica, iniciou no dia da internação com dor e eritema em perna esquerda. Nega febre, vômitos, dor torácica ou dispnéia. Atendida com panturrilha esquerda empastada, com eritema até raiz da coxa. Homans +, pulsos pedioso e tibial posterior finos mas presentes. Passado de anemia. Colhido coagulograma e hemograma no PA.

EVOLUÇÃO: paciente evoluiu satisfatoriamente com melhora da dor em membro inferior esquerdo, da hiperemia e do empastamento sem episódios de sangramento. Manteve-se estável hemodinamicamente, com bom padrão respiratório, sem febre, sem maiores intercorrências durante internação. Recebe alta em boas condições clínicas”

Voltei para casa, com um sorriso no rosto por estar com possibilidades de viver dignamente de novo (ou quase). Mas levaria minhas propostas adiante. E novamente afastei todos de mim. Na verdade, esse “todos” eram pouquíssimas pessoas. Fui descobrindo, ao longo desse tempo de convivência com o Crohn, que raras pessoas estavam dispostas a ajudar efetivamente, na prática. Amigos de internet não existiam mais para mim. E amigos “reais” não tinha muitos.

Coloquei todos os meus papéis em dia. É estranho e difícil explicar o que se passava comigo e sei que alguns não entenderão, mas me preparava para o que achava ser inevitável em algum momento muito próximo: meu desencarne. Não estava pessimista nem desejando morrer, apenas tinha isso gritando dentro de mim. E fui ficando “falsa” com as pessoas que se aproximavam de mim, demonstrando otimismo e resistência sempre, mas não estava assim por dentro. Estava cansada daquilo tudo. Se com 37 anos já tinha passado por tudo isso e ainda não podia dar rumo na vida, o que seria de mim com dez anos a mais? Um estorvo para minha filha? Não, definitivamente não queria isso. Nem prá mim e nem prá ela. E passei algum tempo assim...

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