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domingo, 30 de março de 2008

16- A saga continua... 2002!

Após a minha primeira internação, resolvi me concentrar um pouco mais na doença, pelo menos tentando entendê-la melhor. Como poderia lutar contra ela sem saber de seus pontos fortes e fracos?

Comecei a melhorar e, em janeiro/02 resolvi que poderia ter novamente a chance de viver bem. Isso incluía alimentação e retorno à minha vida social, dessa vez com mais controle quanto à quantidade de evacuações. Seria difícil me reaproximar das pessoas que eu convivia antes, porque durante o início do Crohn (antes e após o diagnóstico) fui afastando todo mundo da minha presença. Me isolei. Não queria conviver com as pessoas e ter que sair correndo para o banheiro toda hora. É muito constrangedor. Mas estava disposta a deixar novas pessoas se aproximarem de mim.


Passei em consulta e diminuímos o corticóide para 10 mg/dia. O exame físico estava muito bom em relação à mucosa intestinal e o plicoma continuava edemaciado.

Fiquei mais relaxada e consegui aproveitar mais os detalhes dos meus dias. Passei a conviver melhor com meus colegas de trabalho, minha filha, minha família. E foi justamente nesse período que resolvi voltar a estudar. Meu antigo sonho de estudar Enfermagem começou a virar realidade.

Como uma atividade dessas promove mudanças na vida da gente! Passei a ser uma pessoa mais alegre, aberta a novas experiências. Mas também fiquei apreensiva. A cobrança agora seria muito maior. Eu já não era uma adolescente indecisa. Era uma adulta (32 anos) e sabia exatamente o que queria estudar para me realizar profissionalmente. E sabia que essa cobrança viria das pessoas ao meu redor, mas principalmente de mim mesma. E me sentia na "obrigação" de conseguir, para ser exemplo para minha filha, e não decepção. Senti a diferença na minha vida, dentro de mim e nos outros. A expectativa era grande e tive receio da doença voltar a ficar ativa. Controlei minha alimentação ao máximo e tentei regular meu emocional porque a última coisa que queria era parar com tudo. De novo não.

Mas em maio/02, meu organismo resolveu dar o ar da graça. Como eu consegui cercá-lo de todas as formas para que o intestino continuasse funcionando normalmente, ele resolveu atacar por outro órgão: a pele. Isso mesmo... uma dermatite violenta. E dessa vez suspeitaram até de Doença de Crohn na pele! Depois de alguns dias, não conseguia nem andar direito, de tão ferida que estava atrás dos joelhos. Entre as minhas pernas, nas dobras das coxas com a região da vagina, estava em carne viva. Para vocês terem idéia de como eu estava, não conseguia nem usar roupa. Isso mesmo, roupa nenhuma. Nem mesmo roupa íntima... imaginem uma calça comprida! E, prá variar, medicamento nenhum resolvia.

Voltei pro corticóide 20 mg/dia e a ciprofloxacina por 5 dias. Usei, paralelamente, uma daquelas receitas de sabedoria dos nossos antepassados: água de amido de milho. Você coloca uma colher de amido de milho em uma vasilha e mistura com água. Vira um líquido branco espesso. Aí você passa nos locais que coçam e, até mesmo nos que estão feridos. A água seca e fica aquele pó do amido, parecendo um talco. Claro que estou falando isso aqui para que vocês entendam o processo. Não quer dizer que em qualquer coceira e/ou dermatite isso vai resolver. Sei que, aos poucos, minhas áreas afetadas foram secando e, em alguns dias, estavam só as manchas, sem as coceiras. Fiquei cansada, fisica e emocionalmente. Será que não ia conseguir mais viver meus momentos emocionais intensos sem que o meu corpo falasse mais alto? A impressão que eu tinha era que a doença surgiu justamente para me bloquear. Não como castigo, pois não considero Deus injusto, mas como freio mesmo.

Aproveitei que estava de licença e fui também ao ginecologista para que avaliasse as lesões da dermatite na vagina. Estava tudo sob controle e fizemos os exames de rotina, inclusive ultra-som pélvico. No US veio no laudo a existência de um mioma no útero medindo 1,1 x 1,1 cm. Segundo o médico, tamanho muito pequeno para preocupar. Com esse tamanho, nada pode ser feito. Tudo bem... mas era mais uma “coisinha” para a minha lista, né?

Resolvi fazer o vestibular da PUC no meio do ano para relembrar a emoção e o nível das provas. Algumas coisas deviam ter mudado do tempo em que prestei vestibular, até agora. Achei até engraçado estar no meio daquele tanto de gente adolescente e pós-adolescente. Mas foi legal, me senti “velha”, mas foi legal sim. Sempre gostei de conviver com os jovens e achei que isso podia contar a meu favor. Fiz as provas. Não é que passei???

Custei a acreditar!... E praticamente sem estudar! Isso foi de fundamental importância para mim. Me fez acreditar novamente na minha pessoa. Eu tinha capacidade. Mais uma vez dei uma “mexida” na minha estima.

Momento de decisões.

Em julho ainda, passei em consulta novamente. Suspendemos o corticóide e amitriptilina. Mantivemos o metronidazol, azatioprina e entramos com fluoxetina 20 mg/dia (antidepressivo).
Para começar a estudar, teria que parar de trabalhar. Parando de trabalhar, onde arrumar dinheiro para pagar a faculdade? A PUC é uma Universidade privada e uma das mais caras que existe. Resolvi arriscar.

Comecei a procurar emprego, sem sucesso. Não há emprego de meio horário que pague, pelo menos, um salário mínimo. E olha que a mensalidade era um pouco mais que dois salários-mínimos. Nessa procura de emprego descobri outra coisa. Nas entrevistas ou preenchimento de ficha, sempre perguntam se você possui alguma doença. Se eu mentir e conseguir o emprego, rapidinho eles vão descobrir que menti. Se falar a verdade, corro o risco (enorme) de não ser escolhida. Não consegui emprego.

Juntamente com essa situação, comecei a sentir um outro problema desabrochando. Tinha vontade e necessidade de conversar sobre a doença com alguém. Mas não queria que fosse com alguém da família e nem com algum amigo. Queria conversar com alguém que realmente entendesse, na prática, o que era a doença. E no meu campo de acesso, a única pessoa capaz disso era minha médica. Mas ainda não era o que queria. Ela sabia de tudo sim, e muito até! Mas precisava de alguém que sentisse o que eu sentia. Desde as dores, os incômodos, até os constrangimentos. Queria alguém que também tivesse a Doença de Crohn! Precisava saber de outros casos, de outros pacientes, de outros sintomas.

Na consulta seguinte expliquei essa vontade à minha médica e ela disse que outros pacientes portadores de Crohn já haviam manifestado essa vontade também. Dessa nossa conversa surgiu a idéia de reunir todos os pacientes da clínica que era portadores de DII. Contarei a vocês o resultado desse encontro nos próximos posts.

Hoje contei por alto meu ano de 2002: algumas manifestações extra-intestinais, medicação, decisões, etc. Tentarei trazer algo mais sobre essas manifestações extras e também esclarecimentos sobre alguns exames (temas que o pessoal tem pedido por e-mail). O Mark me ajudará.

Se cuidem e até a próxima!

Bjim!

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