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domingo, 24 de agosto de 2008

38- A Cirurgia

Então... vamos à explicação da cirurgia, que segundo minha médica, não foi fácil.

Ela me "abriu" e encontrou duas situações urgentes. Houve uma perfuração do intestino (no cólon sigmóide) e minha cavidade pélvica estava completamente tomada por líquidos e fezes. Foi necessário drenar tudo, com cuidado, pois vários órgãos seriam tocados e afastados para a limpeza. Nesse líquido estava a tal "coleção" vista nos exames. Segundo ela era bem grande e a principal causa das dores fortes que senti.

Após isso, começou o trabalho para remover o cólon sigmóide. Mas a situação estava bem pior do que ela supunha. O sigmóide estava necrosado sim, mas o reto também. Não havia a menor possibilidade de uma colostomia provisória. Ela só ficou tranqüila porque, independente disso, eu havia optado pela definitiva. Segundo seu relato, a alça do sigmóide havia estourado provocando o vazamento para a cavidade pélvica. E eu estava sem o reto!

Foi nesse momento que fiquei sabendo que a cirurgia demorou muito mais que o esperado, que meus pais e meu bebê ficaram ansiosos demais e que eu participei de alguns momentos da cirurgia mas que, por causa da anestesia, claro que eu não me lembrava de nada. Ela havia me mostrado, na hora da retirada, o sigmóide e o reto e a coleção de pûs. Como eu gostaria de lembrar...

Para encerrar a conversa, ela me disse que a febre era devido à infecção na pelve e cavidade abdominal, à formação da coleção e que essa infecção já estava espalhando. Mais umas 24 horas e eu corria o risco de ter uma septicemia (infecção generalizada). Isso me levaria a óbito rapidinho.

Resumindo foi isso. Estava com os medicamentos normais, acrescentando um anti-coagulante, um antibiótico, um protetor para o estômago e um "sossega leão" para dormir. O anti-coagulante e o protetor para o estômago eram aplicados (injetados) em minha barriga.

Comecei a me movimentar mais. Ia ao banheiro sozinha (arrastando o soro), aprendi a limpar a bolsa no banheiro e já tomava meu banho como gostava (não suporto ficar sem banho, sem desodorante e sem perfume). Ficava sentada na poltrona alguns momentos ou com a cabeceira da cama bem elevada, quase em 90º. Os exercícios respiratórios foram tranqüilos, sem dificuldades.

Recebi poucas visitas, porque essa havia sido a minha vontade. Meu padrinho, uma tia que considero muito, a “titia” (claro), uma prima estudante de medicina, o panda, um amigo de meu bebê, poucos amigos de meus pais, e uma amiga da faculdade.

Como foi uma cirurgia de grande porte, a gente fica de um jeito diferente. Como se Deus tivesse dado outra chance prá viver mais. Numa cirurgia de grande porte, o risco de algo dar errado é muito grande. E eu quase tive septicemia! E esses dias em que fiquei no hospital, e até hoje, posso dizer, fico pensando em muitas coisas. Se aquela ainda não tinha sido a minha hora de partir desse plano, porque então eu precisava continuar? Ainda era necessário passar por mais provas? Quantas delas? Quantos sofrimentos a mais?

Sabem por que isso me deprimia? Porque, como acredito em reencarnação e lei de causa e efeito, se estou sofrendo é porque tem um motivo. E não foi pelo fato de ter feito coisas boas no passado, óbvio... Meu Deus! Então devo ter feito muita coisa ruim! Não é que não queria mais viver... perdi a vontade de lutar por muitas coisas sim, pretendo falar disso mais à frente, se conseguir. Mas não queria mais viver sofrendo, só sofrendo... queria um descanso nisso tudo... queria levar uma vida normal... queria minha vida de volta!

Foi uma avalanche tão grande de sentimentos... vou tentar relatar os que tiveram peso maior nesse momento pós-cirúrgico... eu ficava muito tempo acordada à noite, apesar dos remédios. Era muita coisa na cabeça e meu espírito precisava pensar para encontrar respostas e se acalmar. E à noite era ótimo. Silêncio absoluto, nenhum funcionário entrando no apartamento, e quem me acompanhava, qualquer um que fosse, sempre dormia profundamente. Eu poderia até ter soluçado no choro que nenhum deles acordaria, mas preferia não arriscar e, como sempre, chorei “prá dentro”.

Meu primeiro pensamento foi prá minha filha... e tenho muito medo de como ela vai reagir ao ler isso aqui... mas vamos lá... comecei a relembrar tudo... desde que soube que ela viria ao mundo... e me senti uma péssima mãe! Vejam como minha cabeça raciocinou... não dei a ela uma chance de ter um pai presente, pois quando ela nasceu, eu já estava separada. Tive que submetê-la a morar com os avós, porque não tinha como sustentar nós duas. Dormíamos no mesmo quarto e com isso ela perdeu toda a liberdade que um dia poderia ter tido. Mesmo tendo um quarto só seu na adolescência, não bastava que eu respeitasse seus momentos, suas necessidades, seus sentimentos. Ela não podia sair, ir na casa dos amigos, passear, ir às festas, porque eu não tinha carro para ir buscá-la à noite. Ela dependia sempre de carona. E o que era pior: como se não bastasse ter feito ela passar por tudo isso, eu ainda não sabia conversar. Tentava, mas pela reação dela, falhava na maioria das vezes. E em outras oportunidades, não podia me dedicar a ela como deveria. Não podia sair muito por causa das evacuações, ficava às vezes deitada por causa de cólicas. E ela ainda teve que presenciar a noite em que passei mal... isso realmente não era justo para com ela. E ainda não é. Continuo limitada. Só penso em um dia poder resgatar isso com ela. Meu sonho era ter uma filha que quisesse ser minha amiga, que não se envergonhasse de mim, que sentisse vontade de me envolver em seus problemas. Enfim, isso me tirava o sono. Os outros assuntos, pude pensar com mais calma depois que saí do hospital. Mais adiante retomo isso.

Recapitulando... minha cirurgia foi no dia 30 de março, saí do CTI no dia 01 de abril e, no dia 05 estava recebendo alta. Os dados do sumário de alta:

“Antibioticoterapia. Retossigmoidectomia anterior com fechamento do coto retal ao nível do assoalho pélvico e colostomia definitiva em cólon esquerdo.”

Fui para casa sabendo que ia enfrentar ainda o passo mais difícil: a troca da bolsa de colostomia. No hospital trocavam para mim. Ou minha médica ou uma enfermeira. Saí de lá com o pedido para procurar uma estomaterapeuta, que ia em casa, de graça. Era representante de uma marca que fabricava bolsas. Ela ensinava a cuidar e indicava o melhor tipo de bolsa para o caso. Pedi minha mãe que marcasse com ela. Ela apareceu, fez a troca, me explicou alguns detalhes e se foi. Hoje eu sei que a troca de bolsa é algo simples, mas nessa época, mesmo com os estágios que havia feito no curso de enfermagem, estava morrendo de medo. Estava achando que poderia fazer algo de errado e fiquei muito insegura. Para a minha sorte, pouco tempo após a visita da enfermeira, estava marcado meu retorno no consultório da minha médica. Claro que ia aproveitar para que ela fizesse a troca. Ia tirar a atual para ver o estoma mesmo... me livrei de mais uma. Mas nessa consulta, o exame mostrou que eu estava com taquicardia e pressão baixa (80 / 50 mmg). Disse que minha albumina estava super baixa no hospital (1,9) e minha hemoglobina também estava baixa (8,6).

Reiniciamos o corticóide (20 mg/dia)...

Dois dias depois, a bolsa descolou e começou a vazar. Ainda não tinha conseguido pegar as bolsas de graça pela Secretaria de Estado da Saúde. Era necessário passar antes pela avaliação de uma enfermeira e estava marcada prá daí a alguns dias. E se eu fosse ficar comprando a bolsa que a estomaterapeuta indicou (e que realmente era a melhor), teria que pedir dinheiro emprestado, pois a bolsa era caríssima. Fui então até o hospital, no Pronto Atendimento, e pedi para fazerem a troca para mim. Aleguei que a cirurgia era muito recente e que eu ainda não conseguia. E como ela descolou, teria que fazer a troca antes do dia marcado com a enfermeira. Eles aceitaram e fizeram a troca.

E realmente, dois dias depois, seria minha consulta com a enfermeira da Secretaria para avaliar o tipo e quantidade de bolsa que eu poderia pegar mensalmente, de graça. E foi somente nessa consulta que minha ficha caiu. Estava ostomizada e seria ostomizada para o resto da minha vida. Era hora de encarar essa questão e assumir o controle disso em minha vida. A enfermeira ia falando e me mostrando os detalhes de tudo. Prestei bastante atenção. Quando ela terminou, perguntou como eu estava lidando com aquela nova realidade. Foi aí que lembrei que ainda não tinha pensado no assunto pelo prisma da realidade.


Saí de lá meio atônita. Não estava participando da história de um paciente que eu teria que cuidar... era a minha história! As dores eram reais, o estoma era real, a bolsa era real, as fezes eram reais... claro que minha vida ia mudar... e muito!

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2 comentários:

Mariana disse...

Acabei de ler.... e fiquei super pensativa ... principalmente com esta questão "Saí de lá meio atônita. Não estava participando da história de um paciente que eu teria que cuidar... era a minha história! As dores eram reais, o estoma era real, a bolsa era real, as fezes eram reais... claro que minha vida ia mudar... e muito!"...

Obrigada por dividir a sua historia comigo.... bjos linda!!

Anônimo disse...

Esse post me comoveu... Quantas barreiras neste período... Meus olhos até ficaram marejados. Ainda bem que vc venceu esta batalha...