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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

36- Dia Marcante: 30 de março de 2006

Dando continuidade ao post anterior, o atestado que solicitei à minha médica era necessário pois o prazo de trancamento da matrícula já havia terminado. Pedi minha mãe que fosse até a faculdade para cuidar de tudo para mim. Sei que devia me preocupar com a saúde unicamente naquele momento, mas era um sonho que eu estava parando. E olha que tive que ter muita coragem para tomar essa decisão. Os dizeres do relatório:

“Atesto, para fins de comprovação escolar, que a paciente encontra-se internada neste hospital, desde o dia 27/03/2006 em tratamento de doença de Crohn complicada. No momento não há previsão de alta hospitalar. Segue em propedêutica e terapêutica adequadas.”

O trancamento da matrícula foi tranqüilo, segundo minha mãe, apesar de ter andado por toda a faculdade para resolver isso. Fiquei mais calma por ter resolvido, mas triste e abalada por sentir que perdia mais um semestre.

No dia 29, minha médica foi até o quarto e conversou comigo. Meu pai estava lá também. Disse que analisaram os exames, pediu opinião de colegas da área, e realmente eu teria que fazer uma cirurgia. Ela não sabia ao certo como meu intestino estaria, mas com certeza seria necessário uma intervenção cirúrgica e a retirada de uma parte do intestino. Quando questionei que parte seria essa, ela disse que o sigmóide estava comprometido já há algum tempo, conforme as retossigmóidoscopias realizadas no consultório durante as consultas e que, pela experiência que tinha juntamente com os exames, ela tinha quase certeza que ele estava necrosado. Essa notícia foi um choque. Necrosado... Morto...

Ela continuou e disse que tinha duas opções na cirurgia: tirar o sigmóide, fazer uma colostomia por um tempo e depois fazer a reversão, religando o cólon descendente ao reto, ou faríamos logo uma colostomia definitiva. A definitiva poderia me proporcionar uma qualidade de vida melhor, sem as desesperadoras idas ao banheiro e as cólicas terríveis. Pedi para pensar um pouco. Era uma decisão difícil de ser tomada. Vou explicar a vocês o que vem a ser uma colostomia.

"Ostomia" é uma ligação de um órgão à pele, por motivos diversos. A traqueostomia liga a traquéia, a ileostomia liga o íleo, a gastrostomia liga o estômago. No meu caso, haveria a ligação do cólon descendente à parede abdominal. Por isso o nome ser colostomia. Com a colostomia, as fezes sairiam pelo final do cólon ligado à minha barriga, em uma bolsa própria que era colada na pele ao redor do estoma, que é o pedaço exposto do intestino na barriga. Essas imagens podem ajudar a entender...








E nessa imagem abaixo uma visão lateral para melhor entendimento.



Com a colostomia definitiva eu não precisaria mais ficar preocupada em usar o banheiro inesperadamente quando estivesse fora de casa. A bolsa encheria e seria só esvaziá-la depois. Claro que eu sabia que seria necessário um período de adaptação, mas estava pensando a longo prazo, para o resto da vida. Se eu optasse pela colostomia temporária, teria que fazer nova cirurgia para a reversão e continuaria com o mesmo estilo de vida, já que eu só iria tirar um pedaço pequeno do intestino grosso, e sabia que meu Crohn atacava todo o grosso e o pedaço final do delgado.

Intimamente já sabia que preferia a definitiva, mas fui conversar com meu pai para explicar melhor o que era a colostomia. Ele é terapêuta holístico e me disse que, cada pedaço que tiramos do nosso corpo, ele (o corpo) sente falta. Que cada um tem uma função e a retirada promove um desequilíbrio. Mas como não tinha opção, que a decisão do tipo de colostomia cabia a mim. E que ele e minha mãe me apoiariam no que eu decidisse. Coincidentemente ele encontrou no corredor do hospital a professora dele de Cinesiologia, que por sinal é mãe de um amigo meu. Eles conversaram e ela fez um teste energético em mim, com as mãos no ar, em cima da minha barriga. Segundo eles, o resultado do teste na região do sigmóide foi que ali não havia mais energia. Posso estar falando tudo errado, mas foi o que entendi.

Minha médica voltou e disse a ela que decidira pela colostomia definitiva. Ela me apoiou e disse que a decisão foi sábia. A cirurgia seria na manhã seguinte e que a anestesiologista viria conversar comigo. Quando ela saiu, disse a meu pai que queria dormir um pouco. Ele foi ler e eu virei-me na cama, em direção oposta a ele. E chorei. Sabia fazer isso em silêncio absoluto, já estava acostumada. Seria uma cirurgia de grande porte, praticamente uma Laparotomia Exploratória, porque não se tinha 100% de certeza do que estava acontecendo lá dentro.

E o líquido na cavidade que o exame acusou? Comecei a rezar e pedir a Deus que tudo fosse encaminhado da melhor forma e que me desse força prá enfrentar aquele momento sem desânimo. Tinha medo, claro, mas nem tanto da cirurgia, mas da anestesia. Vi coisas terríveis nesse sentido nos estágios em Bloco Cirúrgico. Mas estava difícil ficar animada.

A anestesista chegou. Conversei com ela, disse que havia necessidade de tomar cuidado com um dente meu que estava quebrado e seu pedaço somente encaixado. No meio da entubação o pedaço poderia se soltar e cair em minha garganta. Ela me perguntou como eu sabia que esse detalhe era importante e eu disse que fazia Enfermagem nível superior e que já havia passado por estágios em BC. Não a conhecia, mas deixei meu recado dado. Mais tarde minha mãe apareceu com meu bebê. Ela dormiria comigo. Já me deram um remédio para dormir menos nervosa e, na manhã seguinte, logo cedo, vieram me buscar para a cirurgia.

No Bloco estavam a anestesista, minha médica, a colega dela que me ajudou com a internação e outras pessoas que faziam parte da equipe. Após algumas breves explicações, começaram a preparar tudo para o começo da cirurgia. Enquanto isso, um medo grande me invadiu. Fechei os olhos e comecei a rezar. Pedi ajuda aos amigos espirituais para que auxiliassem minha médica o tempo todo e guiassem suas mãos. E pedi ao meu avôzinho que me amparasse e ficasse comigo. Comecei a me acalmar. Fazia bem conversar com meu vô (ele faleceu quando eu fiz 1 ano). Então vi que estava na hora de me “apagarem”. Desejei boa sorte a todos e não me lembro de mais nada. Apaguei realmente...

Abri os olhos. Vi aquele tanto de cama ao meu redor. Vi também aqueles aparelhos complicados. A ficha caiu. Estava no CTI. Recordava desses detalhes de quando estagiei em um. Aí lembrei também do motivo que estava ali. Imediatamente levei a mão até minha barriga. Ainda estava ”grogue”, mas pude perceber aquele volume da bolsa na minha barriga. Levantei a coberta e aquela camisola constrangedora. Vi a bolsa na minha barriga e a mangueira do dreno saindo de outro ponto da barriga. Quando abaixei a coberta, vi que a técnica de enfermagem tinha vindo me ver, atraída pelo meu movimento. Dei um sorriso tão grande! Eu estava viva!

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5 comentários:

Mamãe de primeira viagem disse...

Amiga, cada vezque passo pelo seu blog, te admiro ainda mais....
sua história mostra que vc é realmente uma pessoa de fibra e que merece toda a felicidade do mundo!!!
beijos

Mariana disse...

Flor.... vc não existe msm.... é uma lição de vida!!!! Parabéns pela postura e pela maneira como vc lida com td!!!! Que Deus continue te iluminando sempre!!!!bjos

Anônimo disse...

Adorei a sua FORÇA de VONTADE em VIVER. Entrei no seu blog, porque tenho 1 amigo ´que também fez esta cirurgia há 3 anos quase e, queria saber com era, gostaria de ajudá-lo. PARABÉNS , MUITA LUZ PARA VOCÊ. Nem tudo na VIDA está PERDIDO. Isso aí, FORÇA! Falo porque também tenho uma DOENÇA GRAVE, HIV. Mas não vou DESISTIR até acabar minha HORA por aqui, nesta VIDA.

TAÍSA disse...

Sou estudante de medicina e estava procurando imagens de colostomia quando me deparei com a sua história. Gostaria de dizer que vc é um exemplo e que cuidar de pacientes assim como você é uma dádiva! Parabéns pela sabedoria e coragem!!!

catia disse...

oi estou passando pelo mesmo problema, meu marido esta com cancer de reto ja operou, mas vai operar de novo vai fazer amputaçao de anus,vai ficar com colostomia definitiva.mas estou feliz eu quero ele vivo perto do nossos filhos,voce consegui me deixar cheia de esperança com a sua liçao de vida voce e guerreira,muito mas muito obrigada fica com Deus.catia