Pesquisar

domingo, 7 de setembro de 2008

40- Tombos e Trombos

Chegamos (mais uma vez) ao hospital.

Fui levada ao Pronto Atendimento (novamente) e aguardei pelo cardiologista. Como era feriado, à noite, claro que quem estaria de plantão seria um residente. Pois bem, quando ele chegou, disse que havia feito uma cirurgia há poucos dias e que comecei a sentir as dores há poucas horas e que desconfiava de uma trombose. Ele olhou a perna (que vergonha de mostrar a perna, viu?), apertou em alguns pontos para que eu dissesse onde doía mais, colocou a perna para cima (cama de hospital é ótima por isso) e disse que iria ligar para seu superior, relatar tudo e ver quais as providências a serem tomadas. Gostei da sinceridade dele. Poucos residentes admitem que precisam opinar com alguém mais experiente. Ele voltou logo e disse que deveria se tratar de uma trombose sim, e que eu iria começar a tomar anti-coagulante. Iriam me internar (de novo!) e no dia seguinte eu faria os exames necessários. E assim foi. Só um detalhe: não consegui dormir quase nada...

No dia seguinte, logo cedo, o cardiologista apareceu. E aqui quero abrir um espaço para falar dessa criatura. Vou chamá-lo de “chicabon”. Vocês entenderão daqui a pouco o por quê. Ele entrou, pegou em minha mão, se apresentou e não soltou minha mão. Perguntou o que aconteceu, sobre a cirurgia, quis saber de tudo. Fui contando, mas ainda assim achando estranho. Ele não largava minha mão!

Depois que acabei de relatar tudo para ele, me largou (ufa!) e começou a me examinar. Mediu minha pressão arterial, auscultou meu peito, mediu meu pulso e olhou as pernas. Só uma estava inchada e roxa. E doendo. Ele apertou, como o residente e sentiu a temperatura. Aí sentou, sem cerimônia, e começou a conversar. Disse-me que conhece a minha médica e que iria conversar com ela sobre a cirurgia, para saber mais detalhes, e que voltaria para me falar a respeito. Realmente, logo depois, ele entrou e disse ter conversado com ela.

Ela disse que a cirurgia foi bastante complicada e, enquanto precisava limpar a cavidade pélvica, várias veias e artérias grandes tiveram que ser deslocadas. Com isso, alguns coágulos podem ter se formado e, com a mexida da cirurgia e as minhas também, esses coágulos devem ter se deslocado e parado em regiões por onde não mais conseguiam prosseguir viagem, formando assim o trombo. Como eu sentia dores fortes em vários locais da perna, e nem conseguia caminhar direito mais, era bem provável que eu tivesse com mais de um trombo. Eu faria um exame para identificar esses trombos. Ele novamente segurou minha mão e perguntou se eu estava bem. Eu disse que, tirando a dor da perna, tudo estava bem sim.

Quando ele saiu, minha mãe comentou que tinha gostado muito do jeito e da vibração dele. Eu disse que também havia sentido o mesmo, mas que achei muito estranho ele ficar segurando minha mão. É incrível como estamos desacostumados ao carinho... se alguém nos proporciona um, logo achamos estranho! Enfim, ele me fez visitas periódicas e foi super atencioso.


Como ele havia prescrito, fiz a ecocardiografia da perna esquerda em 24 de abril. O resultado:

“Realizado estudo do Sistema Venoso Profundo e Superficial, do membro inferior esquerdo, com aparelho Eco-Collor-Doppler HDI 3000.

- Trombose total das veias femoral comum, femoral superficial e junção safeno femoral, com vasos incompressíveis, imagem de trombos e ausência de fluxo.
- Trombose parcial das veias poplítea e tibiais posteriores com imagem de trombos e fluxo parcial nos vasos.
- Veias fibulares pervias, sem sinais de trombose.
- Veias musculares do plexo da panturrilha compressíveis, patentes, isentas de processo trombótico.

CONCLUSÃO: trombose profunda extensa no membro inferior esquerdo.


Fazia diariamente exame de sangue para controle da coagulação (RNI). A minha RNI estava alta e com risco de nova trombose. Tomava os anti-coagulantes prescritos e procurava me exercitar dentro do que ele havia me orientado. No quarto dia de internação ele chegou até minha cabeceira e disse que, em 4 dias ele achava que eu poderia ir para casa, que meu RNI estaria dentro do limite. Eu ri, e duvidei (porque estava alto mesmo!). Então ele perguntou se eu queria fazer uma aposta com ele. Eu respondi que sim, e que ganharia com facilidade. Apostamos então, um picolé. Por isso seu pseudônimo aqui é Chicabon. E claro, ele ganhou a aposta!

No dia seguinte a esse fato, ele sentou na poltrona ao lado da cama e conversou comigo. Disse que não me conhecia, que eu não era paciente dele, mas que ele gostou muito de mim e sentiu que eu não me deixava abalar por pouco. Que ele gostava de gente assim, guerreira. Que em qualquer nível em que minha vida estivesse, eu saberia enfrentar de frente. Aquilo me comoveu profundamente. Não me lembrava de quando tinha ouvido alguém me dizer palavras tão legais pela última vez. Eu tinha o apoio de algumas pessoas, mas ninguém chegava perto de mim prá falar essas coisas, olhando em meus olhos. Muito menos alguém como o Dr. Chicabon. É um homem fantástico, sensível, e que me fez ficar de pé novamente, literalmente.

Durante essa internação, recebi uma visita inesperada: meu ex-marido, com a esposa e minha ex-sogra. Aquela visita me deixou zangada e aliviada. Zangada pela cara-de-pau dele. Aliviada, porque só veio me confirmar que sua esposa tem consciência das coisas e isso me deixa tranqüila em relação à minha filha. Por um lado foi bom, porque ele sempre dizia que eu fazia muito drama com a minha doença e as coisas que aconteciam comigo. Ele pôde ver, pessoalmente, que eu não estava sendo dramática. Fiz questão de mostrar a bolsa de colostomia no abdomen.

Tive outras visitas legais, apesar de não gostar de receber visitas. Quando estou no hospital ou em casa após internação, gosto de ficar isolada. É meu jeito. As únicas pessoas de fora que não me incomodam quando aparecem são as que tenho afinidade, tipo minhas tias.

Lembram que, quando estava internando, eu disse que não queria raciocinar? Que isso me levaria a um quadro de inconformação? Pois é... Não teve jeito. No hospital, deitada, isso acontece meio que obrigatoriamente. Só para lembrar, sempre que me aborrecia, sentia necessidade de fumar. E fazia isso, no quarto mesmo, burlando todas as regras do hospital. E sabendo do risco de provocar outro trombo por causa do cigarro. Mas ou fazia isso ou começaria a ser uma pessoa agressiva ali mesmo. Quantas coisas passaram pela minha cabeça! Nem parece que acredito em Lei de Causa e Efeito e vida após a morte. Nem prece e nem leituras edificantes me tranqüilizaram nesse momento. Não conseguia aceitar as coisas que me aconteceram durante a vida. E sei que é exatamente aí que se encontra meu “start” para a doença atacar.

Não é que eu seja assim todo o tempo, geralmente sou o oposto disso. Mas, em alguns poucos instantes da vida, me dei o direito de sentir pena de mim mesma. E é horrível! Sei que nada nos acontece por acaso, mas você não ter as respostas te deixa muito vulnerável em momentos assim. Enquanto no meu dia-a-dia tenho uma fé grande, acredito em Deus e em meu anjo da guarda e tento inspirar essa confiança nas outras pessoas, naquele momento eu me sentia a cristã mais incrédula do planeta. “Homens de pouca fé!”... Me achava injustiçada, sacaneada.

Na vida, não consegui ser feliz em nada, nenhum projeto, nenhuma relação. Nada. E agora a saúde desse jeito, me privando de fazer o pouco que eu já fazia. Não era justo. Vejam bem, eu estava em um ciclo pessimista e não conseguia enxergar um futuro, quanto mais um futuro bom. E comecei também a me revoltar. Não tenho vergonha de assumir esse meu momento de fraqueza, pelo contrário, acho até que a maioria das pessoas que se encontram em meio a problemas grandes também se sintam da mesma forma. E tomei decisões, ali mesmo no hospital. Voltaria para casa, cuidaria da saúde porque é minha obrigação cuidar do meu corpo que é meu instrumento de evolução e cuidaria de continuar tentando um bom futuro para minha filha. E só! Não queria projetos a longo prazo, nem compromisso com ninguém. Passei a ter certeza absoluta de que deveria me concentrar e aceitar a viver só. E assim foi.

Em 28 de abril, recebi alta. O sumário da alta dizia:

MOTIVO DA INTERNAÇÃO: paciente portadora de doença de Crohn, em uso de azatioprina, fluoxetina, corticóide e clonazepam, em pós operatório recente de colostomia definitiva por necrose de parede de reto e sepse pélvica, iniciou no dia da internação com dor e eritema em perna esquerda. Nega febre, vômitos, dor torácica ou dispnéia. Atendida com panturrilha esquerda empastada, com eritema até raiz da coxa. Homans +, pulsos pedioso e tibial posterior finos mas presentes. Passado de anemia. Colhido coagulograma e hemograma no PA.

EVOLUÇÃO: paciente evoluiu satisfatoriamente com melhora da dor em membro inferior esquerdo, da hiperemia e do empastamento sem episódios de sangramento. Manteve-se estável hemodinamicamente, com bom padrão respiratório, sem febre, sem maiores intercorrências durante internação. Recebe alta em boas condições clínicas”

Voltei para casa, com um sorriso no rosto por estar com possibilidades de viver dignamente de novo (ou quase). Mas levaria minhas propostas adiante. E novamente afastei todos de mim. Na verdade, esse “todos” eram pouquíssimas pessoas. Fui descobrindo, ao longo desse tempo de convivência com o Crohn, que raras pessoas estavam dispostas a ajudar efetivamente, na prática. Amigos de internet não existiam mais para mim. E amigos “reais” não tinha muitos.

Coloquei todos os meus papéis em dia. É estranho e difícil explicar o que se passava comigo e sei que alguns não entenderão, mas me preparava para o que achava ser inevitável em algum momento muito próximo: meu desencarne. Não estava pessimista nem desejando morrer, apenas tinha isso gritando dentro de mim. E fui ficando “falsa” com as pessoas que se aproximavam de mim, demonstrando otimismo e resistência sempre, mas não estava assim por dentro. Estava cansada daquilo tudo. Se com 37 anos já tinha passado por tudo isso e ainda não podia dar rumo na vida, o que seria de mim com dez anos a mais? Um estorvo para minha filha? Não, definitivamente não queria isso. Nem prá mim e nem prá ela. E passei algum tempo assim...

*****************************

4 comentários:

Mariana disse...

O que dizer de vc flor? É uma guerreira sim!!! Entendo vc.... e muitas etapas do q vc contou me fez pensar, principalmente qdo vc disse "Vejam bem, eu estava em um ciclo pessimista e não conseguia enxergar um futuro, quanto mais um futuro bom." Imagino q diante desses problemas é dificil ter apenas pensamentos positivos, não deve ser nada facil, mas eu queria lhe dizer q independente de td creio q seu futuro será sempre bom... aqui ou depois... O importante é q vc n esta se entregando aos problemas, vc esta usando as aflições p ajudar e evoluir espiritualmente e isso conta muito, a vc meu OBRIGADA!!!!

Prof. Msc. Paulo S. L. Santos (Paulo Montanha) disse...

Tem cura para o problema de Tromose na perna?

qual o tempo de recuperação?

meu e-mail:
paulomontanha1@hotmail.com

JEANINE AMARAL disse...

olá, eu sou Jeanine e meu marido há dois meses atras foi diagnosticado com Crohn, e ele fez uma ileostomia que segundo os medicos é reversivel. Me desculpe escrever em seu blog, eu estou a procura de pessoas que possam nos entender e nos aconselhar sobre isso. Pelo que vi nesse artigo que vc escreveu, vc está se sentindo fragil diante de tudo e só, sabe, eu amo demais meu marido e quero muiiito apoia-lo, e assim como vc ele se sente só apesar das minhas insistecias em demostrar que estou com ele pro que der e vier. Estou um pouco perdida em como ajuda-lo nesse momento de dor e solidão dele,ele diz que eu nao posso ajuda-lo pq nao faço a minima ideia do que ele passa, mas eu o amo e quero nao sei como que ele se sinta apoiado e amado por mim. qual seria a sua sugestão para mim?

Leca Castro disse...

Jeanine,

é dificil pro ostomizado aceitar ter um companheiro, pois é muito desagradavel usar uma bolsa na barriga e lidar com suas fezes tão de perto várias vezes ao dia. Tente aproximar-se mais fisicamente, fazer caricias, retomar a vida sexual. Isso costuma dar mais auto confiança ao ostomizado. boa sorte!